Tanzânia

Sonhámos e fizemos acontecer“!

Inesquecível e emocionante: estas são as melhores palavras para descrever uma das aventuras mais marcantes das nossas vidas! A Tanzânia é ainda um dos pouco lugares do mundo onde ainda se pode olhar nos olhos dos maiores animais que existem no nosso planeta. As pessoas e a cultura africana aliciavam a nossa curiosidade e, como se não fosse suficiente, o país foi abençoado com algumas das mais incríveis paisagens existentes no mundo, como por exemplo as maravilhosas praias de Zanzibar, a imponente montanha do Kilimanjaro e algumas das mais deslumbrantes savanas africanas. Somos amantes natos da vida e da natureza e, por isso, estavam reunidos todos os motivos para realizar esta viagem. E que viagem! Um sonho tornado realidade, onde a emoção esteve presente todos os dias. Adocicado/a? Então bem-vindo/a! Esta foi a nossa inesquecível viagem ao interior da “Mãe África”!

Escrevi este artigo sempre com as emoções à “flor da pele” e com as lágrimas muitas vezes a quererem saltar. Não era justo não fazer esta partilha! Este artigo é o relato daquilo que vivemos durante 11 dias, é o diário da nossa viagem, um “livro” cheio histórias, memórias, emoção, aventura e adrenalina! De um sonho (um dos nossos) tornado realidade!

Nota: Ao longo deste artigo, utilizarei estas “notas” para esclarecer algumas questões que nos foram colocando durante e após esta viagem.

UM SONHO TORNADO REALIDADE

Sonhámos e fizemos acontecer“!

Esta pequena frase até parece um clichê, não é? Mas, para nós não! Para nós, o ano de 2022 foi um ano de concretização de alguns sonhos. Sonhos pelos quais lutámos e outros que continuam na vanguarda da nossa luta diária para os podermos concretizar… Este, que agora é descrito neste artigo, é um relato de um sonho de crianças, que pairava nas nossas cabeças e que achávamos difícil de concretizar. Vivíamos deliciados com os nossos domingos de manhã a ver na televisão o programa “BBC – Vida Selvagem” ou, quando um rápido zapping, parava nos canais da National Geographic ou Odisseia. E não passava disso. Até que um dia, uns amigos nos falaram de que tinham realizado uma viagem semelhante e tinha sido uma das melhores experiências das suas vidas.

Em Outubro de 2021, eu e o Magno começámos a falar sobre o assunto, até que passou a ser quase sempre tema das nossas conversas. O Magno começou por pesquisar preços, depois programas, até que a pesquisa se começou a intensificar por empresas, alojamentos, entre outras coisas. Sim, era possível! Marcámos viagem a meados de Dezembro desse mesmo ano! “Uauuu“, inacreditável, inacreditável…! Iríamos realizar mais um enorme sonho! Os meses posteriores foram de muito trabalho, muita poupança, abdicação de muitas coisas, para não fugirmos aos nossos restantes objetivos pessoais.

Nota: Não falaremos de custos, porque é sempre relativo: o que para mim é caro, para outra pessoa pode não ser, sendo que o contrário também é válido! Mas devo dizer que se trata efetivamente de uma viagem mais dispendiosa do que todas as outras que já efetuámos, mas que mesmo assim ficou muito mais em conta do que se a tivéssemos realizada através de uma agência de viagens. Além disso, fizemos exatamente aquilo que queríamos, no tempo que queríamos. Sugiro que façam uma pesquisa pessoal, ou seja, pedindo orçamentos diretamente às empresas: ver a preparação da nossa no próximo capítulo.

PREPARAR A VIAGEM

A Tanzânia é repleta de parques naturais que são um verdadeiro paraíso de vida existente na Terra e, sabendo disto e já tendo decidido que era para ali que queríamos viver a próxima aventura, listámos a informação que considerámos importante para preparar esta viagem:

  • Orçamento disponível;
  • Datas que queríamos e podíamos realizar a viagem;
  • Voos que queríamos fazer e o tempo que estávamos dispostos a despender em viagens;
  • Pedir orçamentos a empresas com quem gostávamos de fazer o safari;
  • Aconselhamento para escolher os melhores parques naturais, tendo em consideração a vida animal existente em cada um;
  • Aconselhamento para o número de dias que seriam mais indicados para visitar cada parque;
  • Sabendo que o arquipélago de Zanzibar estava a poucas horas dali e, já que ali estávamos, era justo e oportuno reservar alguns dias para lá ir.

Nota: Esta informação foi obtida com muita pesquisa em sites, redes sociais e artigos de blogs de viagens. Todas as nossas dúvidas foram sendo esclarecidas junto das empresas a quem pedíamos orçamentos, bem como diretamente junto dos viajantes dos diferentes blogs ou redes sociais.

Depois de termos reunido toda esta informação e esclarecido todas as nossas dúvidas, começámos a montar o plano para 11 dias de viagem, com saída a 30 de julho e regresso a 11 de agosto. O primeiro a ser reservado foi o safari (a nossa prioridade), com início a 1 de agosto. Escolhemos a empresa “Soul of Tanzania” para realizar 4 dias de safari, mais 1 dia para visitar a região de Kilimanjaro. Previmos 6 voos, com 3 escalas (uma na ida e duas para o regresso), por forma a tornar o custo da viagem o mais barata possível. Como a ida foi na madrugada de 31 de agosto, decidimos visitar a cidade de Arusha nessa tarde e reservar a manhã para descansar. Por fim, reservámos os 5 últimos dias para explorar Zanzibar.

O plano estava montado e era hora de tratar das restantes reservas. Contactámos a Ana e o Tiago da agência de viagens “Roteiro na Bagagem” e partilhámos com eles o nosso plano. Marcámos os voos e a estadia em Zanzibar, sobretudo por causa dos seguros de viagem e/ou eventuais cancelamentos. Estiveram sempre na nossa retaguarda (com os vários check in, vistos e, para nós pela primeira vez, um inesperado e indesejado overbooking). O restante decidimos organizar diretamente com as empresas locais. É verdade que, com tantas viagens na nossa bagagem, sentimo-nos preparados para sermos nós a efetuarmos as reservas. No entanto, sendo uma viagem tão longa, decidimos ter este suporte extra, que veio a revelar-se muito importante para que pudéssemos usufruir mais confortavelmente da nossa viagem.

Nota: Relativamente aos alojamentos, a escolha incidiu sobre os que tinham o custo mais baixo (naturalmente que depois de os termos pesquisado nos vários sites de hotelaria disponíveis do google). Deixaremos todos os alojamentos da nossa viagem na respetiva página “Alojamentos “, que podes consultar aqui.

Com cerca de 3 meses devemos prever a consulta do viajante: é um país africano e por isso não devemos facilitar (ver mais informação sobre este tema aqui). A verdade é que facilitámos no agendamento da consulta, que devia de ter sido feita com pelo menos 3 meses de antecedência e vimos o caso complicar-se a pouco mais de um mês da viagem. Felizmente conseguimos resolver a situação. Quisemos fazer as vacinas (antes da viagem) e a medicação aconselhadas (durante e posteriormente à viagem). Recebemos ainda alguns conselhos de saúde e cuidados a ter durante a viagem, como por exemplo beber e lavar os dentes com água celada, entre outras coisas. Preparámos uma pequena “farmácia” SOS, mas felizmente não a utilizámos uma única vez, à exceção do repelente para os mosquitos e a tal medicação para a malária, que tínhamos de fazer durante a viagem. Sentimos que tudo o que nos foi transmitido foi bastante importante e esforçámo-nos por cumprir tudo “religiosamente”. Tudo, mas mesmo tudo, correu muitíssimo bem: nem um problema gástrico!

A VIAGEM

1ºdia (30.07.2022) – Viagem de ída

Acordámos cedinho, ainda de madrugada. Estávamos ansiosos! Na mala só faltavam colocar os nossos utensílios de higiene pessoal. O voo era só às 8:40 da manhã, mas quando se trata de aeroportos, a experiência tem-nos dito que não devemos facilitar. Portanto, chegámos ao aeroporto ainda não eram 6h30. O check in estava feito. Faltava apenas despachar a bagagem e, como sempre despachámo-las diretamente para o destino final. O plano era viajar até Zurique, na Suíça (duas horas e meia de viagem), fazer uma escala de 7 horas e posteriormente viajar até Kilimanjaro, na Tanzânia (oito horas de viagem). Plano este que foi escrupulosamente cumprido e garantido.

Em Dezembro de 2021 tínhamos estado em Zurique no seguimento de outra viagem, mas a meteorologia não tinha facilitado a visita e esta era a oportunidade para passearmos um bocadinho pela cidade. Chegámos às 12 horas (hora local – mais uma hora do que em Portugal). Procurámos a estação de comboio, comprámos os bilhetes e, 10 minutos depois, estávamos no centro da cidade. Aproveitámos para comprar um almoço volante enquanto nos deslocávamos até às margens do Lago de Zurique. Era o local ideal para almoçar e simultaneamente relaxar enquanto desfrutávamos da bonita paisagem da cidade. Depois de um bom tempo junto ao lago, deambulamos pelas ruas da cidade, parando aqui e ali.

Por volta das 17 horas, e depois de termos tomado um chocolate quente, daqueles que só podemos degustar na Suíça, regressámos ao aeroporto. O voo para a Tanzânia foi às 19 horas e 30 minutos e seguiu sem qualquer atraso.

Nota: Estes 2 voos foram realizados pela SwissAir.

2ºdia (31.07.2022) – Arusha

Chegámos a Kilimanjaro, na Tanzânia, por volta das 4 horas 30 minutos da manhã e, depois de 45 minutos de formalidades no aeroporto (requisitos Covid-19, pagamento de vistos (50$/pessoa), passaportes, mais triagens de segurança, etc), lá conseguimos sair do aeroporto. À nossa espera estava o transfere (que tínhamos reservado com a Soul of Tanzania) que nos levou ao hotel, em Arusha, onde iríamos passar as duas próximas noites (aquela e a seguinte). Chegámos ao hotel uma hora depois (às 6 horas e 30 minutos). Nessa madrugada não conseguimos ver grande coisa: estava escuro, as estradas não têm iluminação e a maioria ainda não está alcatroada. Lá de vez em quando víamos um ponto de luz muito ténue. Eram pessoas acompanhadas por um pequeno foco de luz, que caminhavam paralelamente às ruas. Fizemos o check in, tomámos um banho e o pequeno-almoço e, por fim, dormimos até à hora do almoço.

Essa tarde estava livre de atividades, mas não era justo seguir viagem sem conhecer Arusha, uma das maiores cidades da Tanzânia. Durante o nosso planeamento e depois de sabermos onde íamos ficar naqueles primeiros dias, contactámos diretamente o hotel e pedimos informação, onde prontamente nos forneceram algumas dicas. Entre as várias opções sugeridas, decidimos visitar 2 mercados locais (Arusha Central Market e Masai Central Market), o Centro Cultural “Cultural Heritage Centre” e um orfanato local. Todos eles são locais gratuitos, sendo que apenas tivemos que pagar pela deslocação e as respetivas gratificações (falarei sobre estas questões no final).

Almoçamos no hotel e saímos por volta das 14 horas e 30 minutos, acompanhados por um guia/motorista local, que o hotel nos disponibilizou. Este foi o primeiro e efetivo contacto com a cidade, a sua vida, as suas pessoas, os seus hábitos e rotinas. Devo dizer que o impacto foi grande: a estrada era de cor castanha (eram em terra), bastante desnivelada e com bastantes buracos. Existem valas profundas nas suas bermas e as pessoas circulam maioritariamente a pé. É verdade que a realidade não é sempre esta, existem muitas estradas alcatroadas e bem alcatroadas. Mas também é verdade que não existe saneamento, em algumas casas a água até é canalizada, mas dependente de depósitos pessoais que têm de ser abastecidos por camiões-cisterna, entre muitas outras coisas que claramente são de uma realidade bem diferente da nossa.

A primeira paragem foi no centro cultural “Cultural Heritage Centre“. Trata-se de um museu dedicado à arte africana e está repleto de artesanato, esculturas e pinturas. Por aqui existem também lojas de souvenires e um bar para refeições ligeiras. Excelente forma de começar esta viagem!

A paragem seguinte foi em 2 mercados locais: primeiro no Arusha Central Market e depois no Masai Central Market. O primeiro é um mercado dedicado à gastronomia local, onde podemos encontrar todos os produtos produzidos e consumidos pela população: legumes, frutas, carnes, peixes, especiarias, cereais, entre tantos, tantos outros. Foi aqui que contactámos pela primeira vez com a comunidade local. Conhecemos os seus processos de cultivo e o quão duro podem ser. A dureza pode ainda ser maior quando se trata de os ter que transportar e vender. Habitualmente são as mulheres que, com os produtos à cabeça e em cestas, bacias plásticas ou envoltos em tecidos de muitas cores, fazem quilómetros a pé ou, na melhor das hipóteses, em vans alugadas. Muitas vezes não os conseguem vender e têm que regressar com tudo o que levaram e sem dinheiro.

Já o segundo é um mercado totalmente dedicado ao artesanato do país. Maravilhoso por sinal! Desde pinturas, peças em madeira, roupa, bijuteria, entre outras, peças estas com execução 100% manual. Foi aí que comprámos os nossos souvenires.

Quem nos conhece sabe que somos amantes autênticos de mercados e não dispensamos estes programas: é uma das melhores formas de conhecer os hábitos e costumes de um país ou região.

A última paragem daquele dia, antes de regressar ao hotel, foi bem especial. A visita ao orfanato surgiu enquanto preparávamos a nossa viagem e, quando o hotel nos transmitiu que o podíamos visitar, não hesitámos! Na nossa bagagem seguiu algum (aquele que era possível) material escolar que considerámos importante e não tão acessível. É verdade que podíamos ter levado outras coisas, coisas que para nós são tão banais, mas que para esta realidade é tão difícil de adquirir. A carência é alguma, apesar de não perceberem que é… Fizemos o percurso até lá em silêncio e expectantes, sem saber muito bem o que poderíamos encontrar. O caminho era em terra batida e abruptamente desnivelado. A chegada foi discreta. Estava apenas uma menina de cerca 16 anos que nos recebeu com os olhos colados ao chão e um sorriso doce, mas envergonhado e tímido. A menina ligou para a responsável do orfanato, que não estava, mas que chegaria em poucos minutos. O sol já se tinha posto e começava a escurecer. Esperámos no exterior cerca de 10 minutos, sentados numas cadeiras de plástico sujo que a menina amavelmente nos cedera. A senhora chegou entretanto, de sorriso no rosto. Vinha na parte de trás de uma mota, que estava a ser conduzida por algum motorista a quem a senhora deveria de ter pagado para se poder deslocar. Vinha sentada lateralmente por causa da sua saia comprida e de muitas cores. Tão bonita… Apresentações feitas, convidou-nos a entrar na pequena casa. Conversámos durante algum tempo. Falou-nos sobre o projeto, como estão organizados e que apoios têm. Uma conversa tão doce para a amarga realidade! De seguida e enquanto íamos conversando, deu-nos a conhecer a casa e as várias carências. É uma casa pequena, muito simples (talvez demasiado simples), dividida essencialmente em 3 edifícios: casa principal (sala, 2 quartos, escritório, cozinha e dispensa), dormitórios dos meninos mais crescidos e um pequeno edifício de 2 andares, que guarda uma pequena sala de aulas e um quarto para os voluntários que vão surgindo. Enquanto nos mostrava os edifícios e nos contava pequenas histórias, os meninos chegaram. Vinham todos juntos numa van, sorridentes e numa algazarra viva. De imediato foram perfilados pela mãe e, um a um, foram-se apresentando (nome, idade, ano de escolaridade e o que mais gostavam de fazer). São 16 crianças, com idades compreendidas entre os 4 e os 18 anos, todos órfãos de pai e mãe, vítimas do vírus HIV. As crianças mais velhas estão já no primeiro ano da universidade e são o claro exemplo do esforço que tem sido feito por esta maravilhosa família que generosamente foi ao longo dos tempos acolhendo e orientando estes meninos. Apesar de todo este esforço, as suas necessidades continuam a ser muitas e toda ajuda é muitíssimo bem-vinda. Estivemos por ali cerca de 2 horas, tempo este que nem o vimos passar e, quando saímos, o dia já tinha escurecido.

Nota: Decidimos visitar o orfanato porque quisemos perceber qual o motivo para aquelas crianças estarem ali. O que tinha acontecido às suas vidas para terem ficado órfãs? Que tipo de apoios têm e quais as necessidades? Neste caso, tivemos conhecimento pelo hotel onde ficámos alojados na primeira noite. Este orfanato é uma entidade oficial e recebe apoio de voluntariado internacional. Sempre que viajamos para países que temos noção das carências, procuramos descobrir como e onde podemos ajudar. Tentamos perceber quais são essas carências e depois reunir alguns bens para poder distribuir. Tentamos sempre que possível fazê-lo em mão e não delegar, sob pena de poder ser desviado (e eles também preferem assim). Na maioria das vezes, é uma ajuda inglória e frustrante porque aquilo que levamos é a “gota no oceano das necessidades”, mas sentimos que cumprimos os nossos objetivos enquanto seres humanos e viajantes. O que podemos levar: roupa, material escolar, brinquedos, produtos de higiene (incluindo a feminina que tão deficitária é), nas quantidades que a nossa bagagem permitir.

Regressámos ao hotel rendidos por aquilo que vivemos naquele primeiro dia tão rico, tão cheio de sorrisos, vivências e memórias. Era apenas o primeiro dia e tínhamos plena noção que os dias seguintes não seriam diferentes. A ansiedade do que aí vinha teimava em fazer-se sentir. A noite demorou a passar…

3ºdia (01.08.2022) – Tarangire (Início do safari)

Às 7 horas o despertador tocou e em 2 segundos saltámos da cama. O coração estava acelerado! Às 8 horas o guia que nos iria acompanhar nos próximos 4 dias estaria à nossa espera para viver connosco aquela que vem a ser uma das experiências mais marcantes de toda a nossa vida! A roupa para esse dia já tinha sido separada de véspera e as bagagens já estavam praticamente prontas a serem fechadas.

Faltavam ainda 10 minutos para as 8 horas e já estávamos prontos e a olhar ansiosamente para a porta de entrada do hotel. Ei-lo: Saimoni, é o seu nome! Um homem alto, moreno e de sorriso estampado no rosto. Um “bom dia” foi de imediato emitido e, logo de seguida, a pergunta que nos fez estremecer: “prontos para a experiência mais marcante das vossas vidas?” Wow!? Seguiu-se uns segundos de silêncio e um cruzamento de olhares arregalados… Depois de nos ter deixado recuperar do impacto daquelas primeiras palavras, questionou-nos sobre qual o animal que gostávamos de poder ver e, de seguida, lançou as primeiras recomendações para a viagem que estávamos prestes a iniciar. Concluiu com uma frase que guardo até hoje na minha memória, que hoje faz mais sentido do que naquele dia e que tem de ficar aqui registada: “A natureza tem o poder de nos transformar. Mas ela também é imprevisível e inesperada. Podemos ou não a testemunhar…“. Seguiu-se um silêncio ensurdecedor. Pouco depois, mais um sorriso e os olhos cor de azeitona preta continuavam cravados em nós, sem se terem desviado um único segundo. Depois disso, nada mais foi dito até entrarmos no jeep (deixara-nos a pensar sobre o assunto). Com as suas enormes mãos, indicou-nos o caminho até aos bancos traseiros do jeep, que tinha as portas traseiras abertas. Sim, um jeep, daquele género que sempre vimos na TV, amarelo, alto e de pneus largos! Wow (novamente)… estávamos a minutos de iniciar a concretização de mais um sonho, um sonho que nunca pensámos poder vir a concretizar. Os sonhos que voavam apenas pelas imagens da TV e pelo timbre da voz que as compunha!

Estávamos a deixar a cidade e começávamos a ver outro tipo de paisagem e, consequentemente, outro tipo de vivências. O amontoado de casas dava lugar a terrenos maioritariamente áridos, onde apenas uma ou outra árvore de pequeno ou médio porte iam preenchendo o cenário. O que nunca desaparece desta paisagem é a presença das pessoas: elas percorrem quilómetros a pé, as pernas são o seu meio de transporte, sendo que, apenas os mais abastados, poderão pagar para se deslocarem em meios motorizados, quer sejam próprios ou alugados.

Saimoni não é um homem de muitas palavras durante as viagens, prefere parar o jeep, voltar-se no assento e aí sim, olha-nos nos olhos e, enquanto fala, é fácil perceber a sua paixão por aquela profissão. Mas não percebemos isso de imediato. Enquanto viajávamos para o primeiro parque – Tarangire National Park – chegámo-nos aos bancos da frente, quase colados aos seus ouvidos, e fomos metendo conversa e fazendo muitas questões. Pacientemente foi respondendo, talvez porque a estrada alcatroada ainda permitia a comunicação, o que não se veio a confirmar poucas horas depois.

À medida que avançávamos no percurso, começávamos a avistar ao longe alguns animais, mas sem perceber que tipo de animal estava ali. Até que essa distância foi diminuindo e estes animais já cruzavam a estrada, tendo nós que parar para lhes dar prioridade. Que delícia! A primeira foi uma família de cerca de 10 zebras desfilavam de forma tão elegante e tão tranquilamente à nossa frente! Mais tarde foram cabras, zebus (parecem vacas) e até gnus (wildebeests). “Pole, pole” (“calma, calma”), todos eles têm prioridade!

Cerca de duas horas e meia depois de termos deixado o hotel, o Saimoni virou à esquerda, enveredando por um caminho em terra batida de cor avermelhada e novamente cheia de irregularidades. O aglomerado de árvores intensificava-se e não voltámos a ver habitações. Cerca de 30 minutos depois estávamos a passar a entrada do parque, de onde estava a sair outro jeep ainda com a abertura superior aberta. Foi nesse instante que surgiram as primeiras “borboletas na barriga”: é agora que vamos começar o safari! O Saimoni parou o jeep e todos saímos. O Saimoni foi fazer o check in e nós aproveitámos a ida aos WCs.

Nota: Todos os parques requerem um check in, cujo tempo dentro do parque, bem como o número de pessoas dentro deles são controlados. Os parques são totalmente abertos, ou seja, não existem muros ou barreiras a delimitá-los fisicamente. Por isso, ouvimos de vez em quando notícias de que um animal selvagem surgiu numa cidade ou que uma ou outra pessoa foi atacada por um animal selvagem. Naturalmente, estes animais têm os seus territórios e dificilmente saem deles, a menos que haja falta de alimento para a sua subsistência. Por isso a importância “pouparmos” a natureza, para que ela possa dar-nos (e aos animais também) aquilo que todos necessitamos.

Formalidades cumpridas, o Saimoni abriu a abertura superior do nosso jeep enquanto nós preparámos o equipamento fotográfico e o colocávamos em “punho”. Tudo estava pronto! Sentíamos o “coração a sair pela boca”.

O primeiro animal a “cumprimentar-nos” foi um impala macho, que surgiu ainda não tínhamos andado 200 metros. A seguir uma pequena família de gazelas e 2 javalis. Poucos metros depois, vimos a primeira girafa e o primeiro elefante. Ambos estavam a cerca de 300 metros e envoltos em arvoredo, por isso a sua visualização não era maravilhosa. Ok, sem problema, tínhamos a certeza de que não iríamos embora dali sem os voltarmos a ver! Mais uns metros à frente e eis as zebras e gnus. Wow (mais um wow) e estas estavam TÃO perto! Deslocavam-se em família para o interior da savana e na diagonal, permitindo que o jeep deslizasse devagarinho que quase as conseguíamos tocar. Estávamos rendidos e ainda só tínhamos 20 minutos desde que tínhamos entrado no parque.

Não precisámos de muito tempo para constatar que o olhar destes animais é tão diferente do que estávamos habituados a ver… As suas cabeças andam levantadas e o andar é altivo. Sempre achei que isto era exagero de quem falava ou escrevia. Mas não é e é tão difícil explicar…!

Vimos pela primeira vez a baobá, uma árvore milenar e uma das mais altas existentes em savanas. Também designada por embondeiros, imbondeiros ou calabaceiras, esta árvore tem características muito próprias por se encontrar neste continente e por estar apta a regiões áridas ou semiáridas. Pode atingir 7 a 11 metros de diâmetro e altura até 30 metros. Além disso, adquire grande importância para estes povos pois são símbolo de fertilidade e fartura. A sua presença e beleza na paisagem são tão características, que facilmente as conseguimos identificar.

A hora do almoço aproximava-se a passos largos e o Saimoni encaminhou-nos para o parque de merendas onde iríamos almoçar, sim em plena savana, sem quaisquer vedações. Por ali já estavam estacionados uns 20 a 30 jeeps e uns quantos também estavam a chegar. Assim que pisamos o solo, a primeira sensação foi a de olhar para todos os lados e perceber que animais andavam por perto: naquele momento não avistámos nenhum. Embrenhámos pelo parque, onde já se encontravam outros grupos de pessoas, algumas que já almoçavam. Pouco depois encontrámos pequenos macacos que faziam a delícia das pessoas que por ali circulavam. Ariscos e sobranceiros iam roubando a comida das pessoas que por ali circulavam.

Parámos numa mesa bem junto à arriba. O Saimoni tinha escolhido tão bem: que vista incrível sobre a savana! Lá em baixo passava um rio já quase seco que, apesar do estreito fio de água, fazia a delícia de muitos animais que por ali circulavam: famílias de elefantes, zebras, gnus e javalis. Almoçámos e por ali ficámos a contemplar umas das paisagens mais incríveis de Tarangire.

Depois de almoço seguimos viagem, continuando a explorar a savana em busca de qualquer animal que nos “quisesse cumprimentar”. O jeep do Saimoni seguia devagar e nós seguimos em pé e a espreitar pela abertura superior, expectantes por encontrar mais um animal. O olhar do Saimoni deslizava entre o lado esquerdo, o direito e a frente do jeep, parecia ter radar, pressentia os bichos a qualquer distância. Impressionante! E num instante, voltávamos a ver mais um animal: agora era uma família de elefantes que passeava por entre as folhas das árvores. Foi aqui que conseguimos observar em detalhe cada curva, cada ruga, o movimento das espessas patas ou das grandiosas orelhas. Que animal tão majestoso!

Vimos uns 4 jeeps encostados e com os motores desligados. As pessoas estavam voltadas para o lado direito, observando a vegetação aí existente. Não percebemos o que se passava, quando o Saimoni diz-nos: “it’s a young lion“. Wowww… Era o primeiro leão que íamos ver! O Saimoni aproximou-se mais, encostou o jeep e desligou-o. A localização era boa, mas o jovem leão estava a dormir no meio da vegetação seca, que era da sua cor. Só conseguíamos ver-lhe as orelhas. Ainda esperámos um bocadinho, na esperança de que se levantasse, mas não aconteceu, pelo menos enquanto alí estivemos. Por isso, acabámos por seguir viagem.

Continuávamos a descer e parecia que íamos em direção ao rio que avistámos do rooftop da hora do almoço. E… BINGOOOO, ora nem mais: depois de contornar uma ligeira curva arborizada, começámos a vislumbrar ao longe uma serie de animais, todos a conviver harmoniosamente junto ao rio. Zebras, elefantes, gnus, javalis, gazelas, impalas, alguns macacos, todos circulavam por ali. Chegavam uns e partiam outros… Que quadro maravilhoso! Ficámos ali a observar uns 20 minutos, absorvendo aquela maravilhosa dinâmica que é a vida da selva e o impacto que a água tem nos seres vivos.

O dia estava a aproximar-se do fim, mas continuávamos a observar mais animais e os seus comportamentos no seu habitat natural. Encontrámos uma família de zebras posicionadas de forma estranha e que nunca tínhamos visto: estavam coladas umas às outras e com os pescoços entrelaçados. Questionámos o Saimoni. Ele parou o jeep, fez marcha atrás, até termos um melhor vislumbre sobre as zebras naquela posição. Desligou novamente o jeep, voltou-se na nossa direção e calmamente explicou-nos: “Estão em posição de defesa e de observação. É assim que garantem a segurança de todos os membros da família pois conseguem ter um alcance de 360º.” Seria a primeira de muitas vezes que viríamos os animais naquela posição. Seguimos viagem e os animais permaneram exatamente como os tínhamos encontrado.

Quando nos apercebemos estávamos a chegar de novo à entrada do parque. O Saimoni estacionou o jeep e foi fazer o check out. Chegara ao fim a visita ao parque de Tarangire. Foi uma tarde que passou a voar e, apesar de exaustos, estávamos absolutamente rendidos.

Regressámos à estrada alcatroada deixada para trás naquela manhã e, pouco mais de 1 hora depois, estávamos a chegar ao lodge onde iríamos ficar nessa noite, e que noite… O alojamento chama-se Africa Safari Lake Manyara e está localizado entre o sopé da cratera de Ngorongoro e o lago Manyara.

A chegada ao lodge quase que nos confundia: a quantidade de animais presentes nas instalações fez-nos crer que estávamos no meio de um parque nacional, ao ponto de questionarmos o Saimoni se seria mesmo ali que iríamos ficar. Viemos a confirmar depois que a existência permanente destes animais é real e não estamos a falar de um alojamento fechado. A maioria dos logdes são abertos e permitem circulação livre de todo o tipo de animais. Wowww isto ia ser uma aventura e tantos…

Check in e restantes formalidades cumpridas, avançamos para a nossa acomodação. O caminho até lá é pedonal e transpõe uma área de mata subtil até aos bungalows. Os bungalows são tendas em lona, com um deck de madeira ligeiramente mais elevado na frente e o interior em madeira rústica. O nosso bungalow estava localizado numa extremidade, perto da piscina do alojamento e ligeiramente envolto pela vegetação proveniente do Lago Manyara. Em redor circulavam 2 zebras e alguns impalas, que nos ignoraram e continuaram a degustar a erva verde existente no jardim do lodge. A paisagem e a tranquilidade eram maravilhosas. No interior do bungalow guardámos as nossas coisas e a vontade por nos deitarmos na cama era avassaladora, mas decidimos sair para a explorar o logde. Não tínhamos aquela experiência todos os dias e, por isso, o descanso podia esperar.

A noite estava a chegar e nós, além de cansados, estávamos famintos. Era hora de ir jantar. Deslocamo-nos para o restaurante do alojamento – um enorme edifício com telhado revestido a colmo que quase tocava o chão. O caminho até lá é em gravilha e em formato de serpente e a entrada fica de frente para o Lago Manyara. Quando lá chegámos ainda conseguimos ver uma pequena penumbra de luz emitida pelo sol no horizonte, que fazia ricochete na água do lago. Ao longe passeavam mais zebras, impalas, gazelas e gnus, todos eles de focinhos encostados à erva verde do lago. Que vista maravilhosa! Ficámos ali uns minutos a contemplar aquela paisagem, até vermos o sol desaparecer e nos lembrarmos novamente da fome que sentíamos.

O nosso regresso ao quarto foi com companhia! Na savana, a partir do momento que necessitarmos de luz artificial para nos deslocarmos, não devemos de sair para lado nenhum sozinhos, sem seguranças connosco. Tínhamos recebido esta instrução no check in e, para nossa segurança, deveríamos de cumprir irrepreensivelmente. Depois de jantarmos tínhamos seguranças à nossa espera no exterior do restaurante e, assim que nos viram, um deles levantou-se, ligou um foco de luz e começou a caminhar connosco. Era um habitante local, com aspeto proveniente do povo Maasai (explicarei mais à frente quem é este povo). Levava com ele uma espécie de arpão e, aquilo que nos parecia ser, uma espingarda. Percebemos imediatamente que a possibilidade de ocorrer uma aventura era grande e não nos enganámos! Assim que nos fizemos ao caminho, liguei o foco de luz do telemóvel e decidi começar a filmar aquele trajeto. Foram cerca de 3 minutos de pura adrenalina. Assim que começámos a entrar no caminho de acesso ao nosso bungalow, avistámos uma família de zebras coladas ao nosso bungalow. O Magno estava derretido a tirar fotografias e a filmar as zebras, tão derretido que se afastou ligeiramente de nós. Já eu, estava coladíssima ao segurança, tanto que quase estava em cima das suas costas. Tão próxima que, quando ele parou tão abruptamente, quase embati com a testa nas costas dele. Começou a apontar o foco para a vegetação que estava em frente à porta de acesso ao nosso bungalow e eu colei-me ainda mais a ele, enquanto chamava o Magno para junto de nós, pedindo que retirasse a chave e abrisse rapidamente a porta de entrada. O Magno não percebeu imediatamente o que se passava, mas eu, que estava tão focada na vegetação, percebi que estava ali um animal qualquer que estava a observar-nos, só ainda não tinha conseguido identificar qual deles seria. Passado algum tempo, tanto que nos pareceu uma eternidade, o animal mexeu-se e fugiu para o interior do lago. Foi nesse instante que percebemos que tipo de animal se tratava: um hipopótamo! Estávamos a menos de 5 metros de distância! A adrenalina era tanta que nessa noite, qualquer movimento proveniente do exterior, nos fazia acordar e ficávamos ali (deitados) a tentar identificar que tipo de animal estaria ali, a menos de 1 metro de nós, tão coladinho ao nosso bungalow.

4ºdia (02.08.2022) – Serengeti “Planícies intermináveis”

E eis que chegara o dia que íamos conhecer o Seregeti! O Saimoni foi buscar-nos ao lodge às 8 horas e, sem perder tempo saltámos para os bancos de trás do jeep que, como habitual, lá estava com as portas abertas a convidar para entrar. Sem perda de tempo, despedimo-nos do lodge e das suas gentes com um aceno de mão e vários sorrisos. Esperava-nos uma dura viagem de 5 horas até ao Serengeti National Park.

Para chegar ao Serengeti temos de passar por Ngorongoro. Mais uma vez, tivemos que fazer o check in à entrada do Parque de Ngorongoro, contornar a cratera de Ngorongoro para poder seguir em direção ao Serengeti. Contornámos a encosta norte de Ngorongoro, que é uma típica paisagem de montanha: húmida e quase sempre verdejante. Existem muitas curvas e a estrada é em terra batida e bastante irregular.

À medida que nos afastamos de Ngorongoro, a paisagem vai sofrendo transformação e tornando-se cada vez mais árida e seca, até entrarmos no Serengeti National Park. Pelo caminho vamos vendo no horizonte pequenas povoações Maasai separadas por muitos quilómetros. Cruzámo-nos por animais, como girafas, gazelas e impalas. Lembro-me de ter visto muitos rebanhos de cabras e manadas de zebus acompanhados pelos seus pastores. E que impressionante é este cenário! Os pastores são as crianças dos povos Maassai! Estas crianças normalmente andam acompanhadas duas a duas e as suas idades estão compreendidas entre os 3 e os 14 anos. De cabeça rapada e trajados a rigor, estão sentados numa rocha, deitadas no chão debaixo numa qualquer árvore sem folhas ou aos pulos na berma da estrada a gesticular aos jeeps que por ali passam, enquanto uma nuvem de pó levantada pelos rodádos dos jeeps os encobre. Acenam para que paremos porque nos querem pedir dinheiro, comida ou quiçá vender algo para adquirir algum dinheiro. É tão impressionante que chega a emocionar! É uma viagem difícil não só por isto (porque até podíamos “pôr o coração ao largo” e virar a cara para o lado oposto), mas também é difícil pelo tempo, o ruído e a irregularidade do piso. E temos que estar preparados para tudo isto…

Pouco depois de 3 horas de viagem, entrámos no Parque Nacional do Serengeti. O Saimoni teve a amabilidade de parar para tirarmos a tradicional fotografia da praxe! Para trás tinha ficado Ngorongoro.

Um pouco mais adiante, chegámos ao “check point“, onde almoçámos e onde o Saimoni fez o check in para podermos entrar no Serengeti. Estávamos no meio do nada, em plena savana, mas tenho de referir que, em todos estes locais, existem excelentes condições de suporte (tendo em consideração a realidade), tal como parque de merendas, com mesas, bancos e WCs em quantidades suficientes.

Antes do almoço e enquanto o Saimoni preparou a documentação para darmos entrada no parque, eu e o Magno súbimos a um miradouro. Não encontrámos muitas pessoas e confesso que estava um pouco cética e desconfiada: o view point está em plena savana, há vigilância, mas não há qualquer vedação. A vista do topo era super agradável, mas mais do que isso, era capaz de puxar pela nossa imaginação – a não muitos metros/quilómetros dali estaria com toda a certeza um qualquer animal selvagem.

Depois de almoço, voltámos a saltar para o jeep. O Saimoni abriu a cobertura do jeep: vamos iniciar o safari no Serengeti. “Puffff, aí vamos nós outra vez“! Andámos uns quilómetros no mesmo tipo de estrada que tínhamos percorrido até então. Era uma paisagem de planícies interminável e é isto mesmo que “serengeti” significa na linguagem Maasai: “planícies intermináveis“.

De repente, o Saimoni vira à direita, para um caminho mais suave, mas igualmente arenoso e começa lentamente a abrandar a velocidade. O movimento da sua cabeça começava a intensificar-se entre o lado esquerdo, a frente do jeep e o lado direito. Era o sinal de que, quanto menos esperássemos, aí teríamos um animal para apreciar, para “devorar” com o olhar sedento da mais pura natureza. A verdade é que demorou, nem sei precisar bem quanto, até conseguirmos ver o primeiro animal. Virávamos à direita, contornávamos uma pequena montanha de rochas, daquelas tão típicas dos desenhos animados, virávamos para trás e nada. Recordando as palavras do Saimoni no dia anterior: a natureza é imprevisível e estávamos a testemunhá-lo!

Eis que Saimoni volta a inverter a marcha noutra direção. Acelerou um bocadinho o jeep, mais do que era normal e, de repente começámos a ver outros jeeps parados e, de novo volta a abrandar. Ao lado dos jeeps, estavam duas chitas!!!! Wowww (mais uma vez)! Sustive respiração por uns breves instantes e em simultâneo senti o coração acelerar a batida. Era a primeira vez que estava a ver um felino no seu habitat natural e tão, mas tão perto. Enquanto observavam o horizonte, uma delas estava sentada em cima da pastagem rasteira e seca e a outra em cima de um morro de terra. Parecia que tinham “congelado”, nem deram pela nossa chegada. Estavam estáticas, sem pestanejar, apenas o diafragma oscilava. Que bichos incríveis, que elegância! Esperámos por vê-las partir na direção que tínhamos vindo. Seguimos na direção oposta, sem imaginarmos o que viria a seguir.

O Saimoni acelerou novamente o jeep na direção de outro morro rochoso. Contornou-o pela direita e, sem ainda termos recuperado do que acabáramos de viver, surge uma ninhada de 3 leões, a menos de 3 metros de distância. Estavam sozinhos, a mãe terá ido buscar alimento, mas estaria por perto e poderia aparecer a qualquer momento. Não era possível! Ainda não tínhamos recuperado do que acabáramos de viver e estávamos novamente com as respirações aceleradas. Quando o Saimoni nos perguntou no início desta viagem que animais gostávamos de ver, jamais imaginámos que pudesse ser possível ver felinos tão pequeninos. Emocionámo-nos, não havia como não acontecer… Que emoção, que sensação maravilhosa! Agradecemos cada segundo pela oportunidade que a vida nos estava a dar! O Saimoni percebeu que queríamos ficar ali, só a observar. E estivemos ali, apenas nós, sem mais jeeps nas redondezas algum tempo. Tempo precioso!

Algum tempo depois, o Saimoni voltou-se para trás e perguntou-nos se podíamos seguir. Dissemos-lhe que sim! Tinha-nos dado tempo para recuperar daquela última hora, sem imaginarmos que outro grande momento estaria por vir.

Ligou o jeep e pô-lo imediatamente em movimento e não demorou muito até encontrarmos um aglomerado de jeeps. Aprendêramos que: “onde estiverem muitos jeeps juntos, por ali há novidade”! E havia de facto! Era um leopardo! Dormia no quentinho de uma rocha, no topo de um morro rochoso. Estava longe, mas conseguíamos perceber os seus contornos e os seus movimentos. Aguardámos algum tempo até percebermos que não sairia dali tão cedo. Seguimos viagem.

O dia aproximava-se do fim e o Saimoni informou-nos que tínhamos de ir andando, ainda que devagar, para o alojamento onde iríamos ficar nessa noite. Ainda estávamos longe. Pelo caminho, continuamos a ver gazelas, impalas, gnus, no horizonte algumas girafas e elefantes. Passámos por uma grande mancha de pastagens queimadas. No imediato, achámos estranho e questionámos o Saimoni. Mas logo que ele começou a explicar lembrámo-nos do que víamos na TV: as queimadas controladas permitem nutrir os terrenos.

E eis que surgem mais alguns “tesouros”. Estávamos a chegar perto de um pequeno lago, quando começámos a ver mais 2 ou 3 jeeps estacionados junto à sua margem. Mais uma vez, algo estava a acontecer! Naquele lago estava uma comunidade de hipopótamos que desfrutavam do lago. Na margem, um crocodilo adulto observava as suas movimentações ou, quem sabe, se aguardava a chegada de alguma outra presa mais apetitosa.

À medida que avançávamos e já quase a chegar ao alojamento, tínhamos notado que a paisagem tinha mudado ligeiramente: as pastagens eram agora mais verdes e as árvores eram em maior quantidade. Coincidentemente ou não, começámos a ver outro tipo de animais. As famílias de zebras, gazelas e impalas, elefantes e de girafas eram mais frequentes. Vimos pela primeira vez na savana uma águia e uma enorme família de babuínos. Atrevidos, corriam à nossa frente como se estivessem a dar-nos as “boas-vindas”. Até que chegámos ao alojamento.

O alojamento está tão bem integrado no ambiente envolvente que nem demos pela chegada. Assim que o Saimoni parou o jeep, um grupo de homens aproximou-se e, de sorrisos rasgados, vieram dar-nos as “boas-vindas”. Eram os funcionários do alojamento! De imediato agarraram-se às nossas bagagens que o Saimoni retirara do jeep. Amavelmente, transportaram-nas para o interior de uma tenda, a primeira que estava de frente a uma árvore decorada com apetrechos locais e que servia de rotunda. Era a receção.

Convidaram-nos a entrar e a sentar num confortável sofá, serviram-nos um sumo delicioso de melancia, enquanto conversavam connosco. Era o nosso check in! Entre outros temas, recordo as questões de segurança e a logística do alojamento. Relativamente às questões de segurança, atribuíram-nos um segurança que andaria connosco sempre que estivéssemos fora das tendas, pediram-nos para não nos deslocarmos sozinhos sobretudo depois da penumbra surgir (algo que já sabíamos), deram-nos uns walkie-talkies. Informaram-nos da existência de um apito, que estava à entrada da nossa tenda e que também o podíamos utilizar em caso de emergência. Relativamente às questões logísticas, recordo as mais impactantes, que consequentemente estão relacionadas com recursos naturais. A primeira foi a limitação da energia: à semelhança do alojamento da noite anterior, a eletricidade estava controlada em horários, ou seja, a partir de uma determinada hora deixávamos de ter eletricidade. A segunda foi a limitação da água. Estávamos cobertos de pó, tanto que o cabelo tinha mudado de cor. Uma das primeiras perguntas que nos fizeram foi: “A que horas querem tomar banho?”. Achámos a pergunta estranha, mas respondemos que até preferíamos tratar já do assunto. “Muito bem! Têm 25 litros de água para os dois e o vosso segurança irá ajudar-vos.” Ficámos novamente a pensar, mas assentimos. Como iria conseguir lavar o cabelo com 25 litros de água? Qual o motivo pela qual o segurança tinha de nos acompanhar?

O segurança levou-nos ao nosso quarto. Por ali circulavam zebras, impalas, gazelas e, ainda que bastante mais afastados, babuínos. O segurança quis gentilmente carregar a nossa bagagem naquele piso irregular e que grata lhe fiquei! Verdade: era um trilho elaborado a partir da vegetação seca cortada e pisada, que abria percursos para cada quarto. O nosso era o último, o que ficava mais longe e na extremidade do alojamento. Chamava-se Acacia e, na realidade, não era um quarto, ou um bungalow, era uma tenda, cujas paredes eram em lona! Assustador? Não, mas, depois do que nos disseram na receção, estávamos céticos quanto à sua segurança. Valeu-nos a logística de ter que planear 2 banhos!

Posto isto, decidimos que seria o Magno a tomar banho primeiro e, da água que sobrasse, seria para mim. O Magno preparou-se para o banho. Abriu a torneiro do chuveiro: pingavam estreitos fios de água, quase sem pressão. Do lado de fora da tenda, o nosso segurança temperava a água: perguntou se a água estava suficientemente quente ou se era necessário um pouco mais. Ainda hoje tentamos perceber como o terá feito. Não consegui lavar o meu cabelo, mas foram estes acontecimentos que nos fizeram ganhar ainda mais consciência do quanto este bem é tão importante e é cada vez mais um bem escasso. Se já éramos sensíveis a esta realidade, ainda mais sensíveis ficámos. Não nos faltou absolutamente nada, mas mesmo nada! Tivemos aquilo que de facto era essencial. Esta é uma realidade diferente da nossa, mas a distância que nos separa não está assim tão longe e rapidamente passa a ser também a nossa realidade.

A hora do jantar estava marcada, mas decidimos ir um pouco mais cedo para aproveitar o WiFi e podermos comunicar com a família. Mais uma vez, apenas disponível na receção do alojamento. O Saimoni ficou no mesmo alojamento, pelo que aproveitámos a ocasião para jantarmos juntos e conversarmos – e que maravilha de conversa! Daquelas conversas que nos enriquecem a todos os níveis! Tínhamos acordado relativamente cedo, o dia tinha sido cansativo e a saída do dia seguinte estava prevista para as 7 da manhã. Por mais que nos apetecesse estar ali, era hora de descansar.

O nosso segurança aguardava por nós na receção, pronto para nos levar ao nosso quarto. Estava tão escuro, que nem as lanternas permitiam ver além dos 2 metros de distância. A menos de 50 metros do nosso quarto, o segurança parou. De novo! O que se passava agora? Apontou as duas lanternas (a da cabeça e a que levava na mão) em direção à vegetação seca que estava do nosso lado direito. Ficámos ali parados uns 10 segundos, que novamente me pareceram uma eternidade. Nada! Não vimos nada, de qualquer forma o segurança terá detetado algo, que provavelmente se terá afastado. Continuámos o percurso em silêncio e cerca de 1 minuto depois estávamos a entrar na tenda. Mas não sem antes o segurança nos informar de que provavelmente iríamos dormir com as gazelas e os impalas debaixo da tenda. Era ali que se sentiam seguros, quentes, confortáveis. Portanto, era muito provável que de manhã tivéssemos companhia. À semelhança da noite anterior, dormimos com a sensação de que tínhamos um animal bem coladinho à lona da tenda e, muitas vezes, a passear no deck do nosso quarto. Os sons que escutámos, sobretudo ao amanhecer, são inesquecíveis e guardaremos nas nossas memórias o resto da vida. Mais uma vez, do interior da tenda tentávamos perceber que tipo de animal estaria ali. Com isto, até parece que não conseguimos dormir, mas não é verdade. De facto, o descanso não é o mesmo, pela adrenalina e curiosidade ao qual somos sujeitos, mas a experiência é inesquecível.

Nota: Os primeiros 10 segundo do vídeo que disponibilizamos no final deste artigo, são os sons que escutamos naquela manhã! Vale a pena escutar!

5ºdia (03.08.2022) – Serengeti

Na noite anterior o Saimoni percebeu que somos meninos de acordar cedo então questionou-nos se queríamos sair mais cedo do que a hora prevista. Prontamente assentimos! Quanto mais cedo retomássemos a viagem maior seria a probabilidade de vermos mais animais. Combinámos a saída às 7h.

O dia amanheceu cedo! Estava frio! Saltei da cama às 6h, curiosa para ver a paisagem daquela manhã. Espreitei pelo fecho da tenda e, tal como esperava, lá estavam eles, ali bem perto de nós: impalas e gazelas, que fugiram assim que sentiram a minha presença. Um pouco mais longe duas zebras. Também sentiram a minha presença, olharam na minha direção, mas voltaram a encostar os focinhos ao chão. A vista era maravilhosa, mas o som, ai aquele som da selva que tantas vezes imaginámos: silêncio inquietante apenas quebrado pelo pouco vento que roçava na pastagem alta e pelos animais que circulavam por ali. Sentámo-nos nas cadeiras que estavam no deque da nossa tenda a observar e a escutar: gravámos na nossa memória aquele bocadinho. Apaixonante e inesquecível!

Arranjámo-nos e seguimos para o pequeno-almoço, novamente no restaurante perto da receção. Os curtos percursos que realizámos no alojamento foram os únicos que fizemos a pé em plena savana, em pleno Serengeti. Pouco tempo depois, estávamos prontos para deixar o alojamento que nos fez viver uma das experiências mais marcantes na savana.

O Saimoni já nos esperava, com as portas e o tejadilho do jeep novamente abertos. Instalámo-nos confortavelmente e jeep iniciou marcha. No entanto, não demorou muito tempo para estarmos de pé. Não muito longe da receção do alojamento, começámos a vislumbrar búfalos, mais babuínos (talvez a família que tínhamos visto no dia anterior), girafas e hipopótamos que lutavam num pequeno lago.

Vimos uma família enorme de impalas e o Saimoni decidiu parar o jeep assim que percebeu a nossa atenção sobre os animais. Eram imensos e conseguíamos escutar sons diferentes que não tínhamos percebido até então. De repente, começámos a ver os impalas a correr de um lado para o outro e a circundarem o nosso jeep que tinha sido desligado pelo Saimoni. Naquele primeiro instante pensamos que estava a ocorrer uma caçada e questionámos o Saimoni, para ver se ele tinha conseguido perceber o que se passava. Uma vez mais, virou-se calmamente para trás no banco e explicou: estávamos a assistir à “dança” de acasalamento entre os impalas. Congelámos na paisagem que nos envolvia! Maravilhoso: o macho emite sons grosseiros enquanto corre atrás das fêmeas do grupo a ver qual delas acaba por parar e lhe dar atenção. Não é uma conquista imediata e são capazes de percorrer bastantes quilómetros durante aquele preparo. Os animais que estavam por ali também alinharam nas correrias. As gazelas e algumas zebras, macacos e alguns babuínos, que subiam e desciam as copas das árvores, geraram um verdadeiro frenesim digno de um estupendo espetáculo da mãe natureza, maravilhoso de presenciar e uma vez mais inesquecível. Depois de termos estado ali talvez uns 15 minutos a assistir àquele espetáculo, decidimos seguir viagem.

O jeep começou novamente a afastar-se daquela zona com pastagens altas e árvores de copos altas. As típicas paisagens intermináveis do Serengeti voltavam a fazer-se notar. Parámos junto a um lago enorme bem abastecido de água. De imediato demos pela presença de uma família de flamingos, mas pouco mais.

O Saimoni, logo notou que não tínhamos visto mais nada e chamou pela nossa atenção: “conseguem ver os hipopótamos?” Dissemos-lhe que não e, na verdade, olhávamos o horizonte e continuávamos sem conseguir vê-los. E, uns segundos depois, eis que uma família de hipopótamos começou a emergir do lago. Estavam a nadar e a deslocar-se para uma das margens. Surpreendente a perspicácia do Saimoni em tê-los detetado, mas nada que já não tivéssemos percebido em episódios anteriores. Nós não diríamos que debaixo daquela água estava uma família de hipopótamos e, com toda a certeza tínhamos virado costas. O Saimoni voltou a ligar o jeep e seguimos.

Sentimos o jeep acelerar um bocadinho, ao ponto de sentirmos necessidade de nos sentarmos ou de nos agarrarmos aos frisos do tejadilho do jeep, para não cair. Eu e o Magno olhámo-nos, mas decidimos não questionar: a experiência dos últimos dias tinha-nos dito que estávamos a poucos segundos de vislumbrar algo especial. E assim foi! Pouco depois, o jeep parou e foi desligado novamente. Tínhamos parado junto a um cruzamento de estradas, ao nosso lado esquerdo um pequeno rio seguia o seu curso e, mesmo junto à margem, estava uma árvore alta. Mais uma vez, nem eu nem o Magno conseguíamos ver o que quer que fosse. Olhámos para o Saimoni, que nos olhava atentamente e divertido. Perguntámos: “o que se passa?“. E ele, a perceber que não estávamos a detetar nada, dá-nos uma pista: “observem com atenção a árvore“. O Magno, que vê muito melhor do que eu, respondeu quase no mesmo instante: “é um leopardo!” Bolas, eu não conseguia ver nada! Tive que utilizar a lente da camara fotográfica para conseguir vê-lo. O “sacana” dormitava tranquilamente no cimo do tronco da árvore e estava quase camuflado pelas suas folhas. Segundo o Saimoni, mantinha-se atento à envolvência. E, na verdade, vimo-lo muitas vezes a abrir os olhos e a levantar a cabeça do dito tronco. Queríamos vê-lo em atividade e por isso ainda esperámos alguns minutos, na esperança que descesse da árvore, mas não foi o que aconteceu. Decidimos seguir viagem.

Muito poucos metros mais à frente, também debaixo de outra árvore semelhante à anterior e junto à estrada que seguíamos, encontrámos uma girafa. Estava tão perto de nós. Era de facto a maior girafa que vimos até então. Era enorme, facilmente arrancava as folhas mais altas da copa da árvore. Podemos ver-lhe todos os contornos dos músculos e a timbragem do pelo. Uma vez mais, o Saimoni deixou-nos estar ali o tempo que quisemos, porque percebeu o quanto estávamos a admirar um dos mais belos animais da savana. Quando nos sentámos, percebeu que podíamos seguir. E assim foi.

O jeep enveredou por caminhos cujas paisagens eram ainda mais intermináveis. Os amontoados de rochas ou, por outras palavras, a “casa dos leões” eram de novo visíveis. Os nossos olhos “rasgavam” as planícies em busca de um animal e andámos seguramente uma hora sem vislumbrar qualquer um. É bastante cansativo, mas nada nos fazia desviar os olhares daquelas paisagens. Tanto eu como o Magno percebemos o porquê: estávamos claramente em terreno felino e por isso a ausência de tantos animais. O Saimoni começava a centrar a sua atenção mais junto aos rochedos: era aí que provavelmente estariam. E, novamente, desligou o jeep, puxou dos seus binóculos sob a nossa direção esquerda. Percebi que ali estava algo. Eu não consegui ver nada, mas, o Magno sim! “Uma enorme família de felinos!” Bingo! Eram os primeiros leões adultos que estávamos a ver em ambiente selvagem! Maravilhoso! Uma vez mais, tive que utilizar a lente da camara fotográfica para poder vê-los. Eram pelo menos 3 leoas, rodeadas por aquelas que seriam as suas crias, com 3 ou 4 meses de idade. Inicialmente, quando os vimos, só conseguimos ver-lhes pouco mais do que as orelhas, mas o Saimoni voltou a ligar o jeep, avançou um bocadinho, procurando um melhor vislumbre, e et voilà! Wowww, conseguíamos vê-los quase na perfeição. Deram pela nossa presença: alguns deles levantaram a cabeça na nossa direção, algumas crias levantaram-se curiosas e começaram a descer ligeiramente o rochedo, sob o olhar atento daquelas que seriam as mães. Mas não passou de uns curtos passos porque logo voltaram a deitar-se no provável quente da rocha. Era um cenário maravilhoso, um quadro fabuloso!

Nota: Os felinos normalmente caçam durante a noite, primeiro porque são muito sensíveis a movimentos e sons e depois porque têm uma excelente visão noturna. As relações entre os vários membros são muito fortes fazendo com que queiram viver habitualmente em família e, consequentemente, também caçar em família. É por este motivo que, segundo alguns cientistas, são considerados os “Reis da Selva” – porque se unem e conseguem garantir a sua subsistência. Uma vez que têm uma grande atividade noturna, acaba por tornar-se mais difícil visualizá-los durante o dia. Tínhamos alguma consciência disto e não ficámos desiludidos, mas pensávamos que seria mais fácil detetá-los.

Seguimos viagem, mantendo a nossa atenção no espaço que nos envolvia. Ao longe verificámos um aglomerado de jeeps estacionados. Fomo-nos aproximando, tentando identificar o que estava ali. O Saimoni reposicionou os seus binóculos e informou: “é um rinoceronte”! Desta vez foi o Magno que, com a lente da camara fotográfica, pôde observar o animal. Mas estava tão longe, sem grande precisão, diria a um 1 quilómetro de distância…. Demasiado longe para o podermos ver com clareza. Tentámos perceber se vinha na nossa direção, mas constatando que não, decidimos seguir.

Andámos imenso, mesmo muito, em redor de muitas montanhas rochosas que iam aparecendo na planície, na esperança de encontrar mais algum animal, mas nada surgia. Andámos seguramente mais de uma hora. Passámos por locais que nos fizeram lembrar os desenhos animados (o filme do “Rei Leão”, da Disney), imagens literalmente retiradas dali. Entretanto, o Saimoni aproximou o jeep de uma zona bastante arborizada e voltou a desligar o motor. Ali, no meio da savana, havia um WC público. Ao longe havia uma enorme família de babuínos que saltavam entre os “galhos” de um cato gigante. Era a oportunidade que tínhamos de ir a um WC, caso contrário só ao final do dia no alojamento.

Contornámos aquele enorme rochedo arborizado onde, numa concavidade interna, ainda pudemos ver uma pintura rupestre cravada na rocha. Poucos metros mais à frente, o Saimoni abrandou o jeep e, sem desligar o motor, puxou novamente dos seus binóculos. Apontou novamente para o horizonte e expressou “olhem, um leão“! Estava deitado no topo de uma rocha, mas mal o podíamos ver, porque estava deitado ligeiramente para o interior da concavidade rochosa. Decidimos seguir, devagar e, do outro lado, vimos no horizonte uma enorme manada de elefantes africanos, que se dirigiam em sentido contrário ao nosso. Grandes e pequenos elefantes “deslizavam” nas deslumbrantes planícies do Serengeti, tal e qual como tantas vezes vimos na TV! Mais uma memória maravilhosa que registámos.

A hora do almoço estava a aproximar-se. Sabíamos que tínhamos de regressar ao check point onde tínhamos dado entrada no dia anterior. O limite eram as duas da tarde e tínhamos uma viagem de cerca de 1 hora. O almoço seria no mesmo local. O nosso sentido de orientação indicava-nos que estávamos a andar nesse sentido e não nos enganámos. O Saimoni tinha acelerado um pouco mais o jeep e ao longe começámos a ver o pó da estrada principal de onde tínhamos saído no dia anterior. Achas que nos sentámos? Não! O tejadilho ainda ia aberto e nós de pé: tínhamos certeza de que ainda íamos ter oportunidade de ver mais animais antes de chegarmos ao check point. E, novamente, não nos enganámos. Começámos a ver 2 jeeps encostados à berma esquerda e começámos a prestar ainda mais atenção. Eram 3 hienas, um macho e duas fêmeas. Estavam a dormitar na terra seca de um desnível do terreno. Não estavam muito longe e pudemos vê-las na perfeição.

Nota: As hienas são animais mais solitários do que os leões. As fêmeas são de maior porte quando comparadas com os machos, sendo que são elas que lideram normalmente as famílias.

Um pouco mais à frente vimos mais um aglomerado de jeeps. Já sabíamos: estava ali mais um animal. Era uma chita sentada em cima de um morro de terra e olhava o horizonte em sentido contrário ao que vínhamos. Estava sozinha e, com uns 4 jeeps ali parados, nem deu pela nossa presença. Poucos minutos depois de termos parado, com movimentos que pareciam cronometrados, levantou-se e seguiu devagar no sentido do seu olhar. O seu corpo esguio, a delicadeza dos seus movimentos, a forma como posiciona as patas traseiras e dianteiras são impressionantes. Não é por acaso o atributo: “mamífero mais rápido do mundo em curtas distâncias”.

Dalí em diante não voltámos a ver mais animais no Serengeti. Baixámos o tejadilho e enveredámos pela difícil estrada gravítica e empoeirada e, cerca de 1 hora depois, chegámos ao check point. O Saimoni foi tratar das burocracias na receção e nós pegámos no cesto do almoço e fomos tratar de arranjar uma mesa para nos sentarmos. Enquanto esperávamos o Saimoni, fizemos um status daqueles 2 dias no Serengeti: queríamos mais! Quando o Saimoni chegou, começámos a almoçar e, eis que surge a pergunta do que tínhamos estado a falar: “E que tal o Serengeti?” Dissemos-lhe exatamente o que tínhamos estado a falar: “Queremos mais.” Ficou a vontade de regressar… Quem sabe um dia?

Nota: O Serengeti é enorme (para os portugueses: é do tamanha do nosso Alentejo). Visitá-lo requer tempo, pelo menos de 3 dias e nós estivemos 1 dia completo (uma tarde mais uma manhã). Aquilo que vivemos aqui foi único, marcante e inesquecível. Para os amantes da natureza, é um paraíso na terra. O Serengeti é enorme e os animais naturalmente estão mais dispersos e em constante movimento, consequentemente torna-se mais difícil de os detetarmos. É claramente um teste à nossa paciência, persistência e resiliência. Por outro lado, ao nível da vivência, o Serengeti é um “deserto” de luxos de recursos, onde nós pudemos viver esse “deserto”. Uma coisa é estarmos conscientes sobre a importância desses recursos (consideramo-nos pessoas formadas e conscientes), outra coisa é viver a ausência desses recursos (por exemplo, ligar um telemóvel ao carregador e ter energia ou abrir uma torneira e ter água em quantidade e qualidade). A consciência é bem diferente da vivência!

A tarde seguinte foi de viagem. Sim, regressámos a Ngorongoro, voltámos a passar pelas estradas difíceis e pelas paisagens que estão carregadas de histórias e vivências do povo Maasai. O ruído não nos deixava conversar e, aquelas horas foram extraordinárias para muitas retrospetivas, uma delas partilho agora aqui:

Tentei imaginar a vida daquelas pessoas que vivem ali, privadas de tudo (achamos nós), que têm de lutar para terem comida na mesa (achamos nós), que têm de fazer quilómetros para terem água e provavelmente contaminada (achamos nós), que têm de viver paredes meias com aquela extraordinária e ao mesmo tempo desafiante vida selvagem. Mas será assim tão difícil? O que será que pensam de nós? Da nossa forma de viver? Será que sabem como vivemos? Quem está certo? Quem está errado? Será que alguém está errado? Saímos daqui a achar que não, uma vez mais, ninguém está errado! Há um parágrafo da minha autobiografia (que podes encontrar aqui), que escrevi quando iniciei este Blog e que descreve isto mesmo. E não podia estar tão atualizado:

Viajar expõe-nos a novos lugares, pessoas e culturas. Leva-nos a aprender sobre o que existe pelo mundo e de que não há uma forma correta de viver. Cada cultura é diferente, as pessoas são diferentes e influenciadas pelo dia-a-dia das regiões onde estão inseridas. Viver estas diferenças dá-nos autonomia, expõe-nos a riscos, mas ao mesmo tempo à consequente defesa dos mesmos. Ao viajar, saímos da nossa zona de conforto e muitas vezes temos que tomar decisões imediatas assumindo o impacto dessas mesmas decisões na nossa viagem ou até mesmo na nossa vida.

E eis que, de repente, sentimos o jeep sair da estrada principal, que deixara de ser em gravilha e passara a ser em terra avermelhada e batida. O Saimoni estava a parar num maravilhoso view point. E ainda bem que o fez naquele final de tarde. Quando saltámos do jeep para “degustar” aquela paisagem, constatámos o frio gélido que soprava em direção ao centro da cratera. À nossa frente estava uma das paisagens mais icónicas da Tanzânia: a cratera de Ngorongoro!

A cratera de Ngorongoro é, com 19 quilómetros de diâmetro, a maior caldeira intacta e não inundada do mundo e, como se não fosse suficiente, é ali que está a maior densidade de vida selvagem de África. De repente ficámos com a sensação de que estávamos a viajar para o passado. Na orla da cratera habita, há 200 anos, o povo Maasai e, 600 metros abaixo, uma riquíssima vida selvagem. Sabíamos disto, mas estávamos claramente longe de imaginarmos o quão maravilhosa é esta vida selvagem e muito menos de ter noção o quão perto estávamos de um qualquer animal selvagem.

O Saimoni deixou-nos desfrutar daquele momento o tempo que quisemos e, quando lhe demos a entender que estávamos saciados, seguimos viagem. A paisagem e a emoção daquele local foram arrebatadoramente marcantes!

Estávamos exaustos e ansiosos por chegar ao alojamento dessa noite. Pelo caminho pudemos ainda testemunhar as consequências daquelas estradas para os rodados, os eixos, os amortecedores dos jeeps. Felizmente só testemunhar e não vivenciar!

Ao fim de 45 minutos de viagem, chegámos finalmente ao alojamento. Ficava a paredes meias com a cratera do vulcão de Ngorongoro, envolto em floresta luxuriante. A vista era incrível: duas famílias de zebras e antílopes passeavam pelo alojamento.

Da varanda do restaurante do alojamento vimos o por do sol e, assim que se pôs atrás do arvoredo, fomos jantar com o Saimoni. Jantámos juntos e combinámos sair novamente bem cedo. A manhã seguinte seria passada na emblemática cratera de Ngorongoro e, quanto mais cedo entrássemos, menor seria o tempo de espera no check in e mais tempo tínhamos para percorrer a cratera.

6ºdia (04.08.2022) – Ngorongoro (último dia do safari)

Acordámos, tomamos o pequeno-almoço e saímos ainda de noite. Só começámos a ver o nascer do dia ao chegar à entrada da cratera. Estava bastante nevoeiro e muito frio. Em todos aqueles dias, nunca tinha tido necessidade de vestir tanta roupa como naquela manhã. Cheguei à conclusão de que não tínhamos levado roupa adequada para Ngorongoro. Enfim, “c’est la vie“… Apesar da fraca visibilidade, conseguimos avistar um incrível e enorme elefante africano, que se preparava para atravessar a estrada em direção ao centro da cratera. Ainda bem que o Saimoni, no dia anterior, tinha parado naquele view point. Naquela manhã não íamos conseguir ver o centro da cratera.

Chegámos ao posto de controlo existente na descida para a base da cratera de Ngoronro e o Saimoni foi tratar das formalidades do check in, enquanto nós aguardámos dentro do jeep. O Saimoni tinha razão: eram 7 horas da manhã e apenas tínhamos 3 jeeps à nossa frente. Quando iniciámos a descida até à base da cratera e olhámos para trás, já não conseguimos ver o final da fila de jeeps.

À medida que descíamos, o dia parecia ganhar mais claridade e, em simultâneo, o nevoeiro estava claramente a desvanecer-se. O jeep serpenteava pela encosta da caldeira e nós, à medida que descíamos, estávamos cada vez mais inquietos e ansiosos. A primeira paragem foi para observar o comportamento de duas gazelas que lutavam por alimento. Um pouco mais à frente o jeep acabou mesmo por parar e por ser desligado. Não percebi imediatamente o que se passava, mas o Magno sim: sob o nosso lado esquerdo e uns metros mais à frente estavam 2 leões! Eram enormes, de juba escura e dormiam. Erguiam várias vezes as cabeças e esperámos incessantemente que se levantassem, mas isso não aconteceu enquanto ali estivemos. Uma vez mais a natureza estava a demonstrar-nos que nem sempre as coisas são conforme nós gostássemos que fossem e à que saber viver com isso! De qualquer forma, nunca tínhamos estado tão próximos destes felinos quanto aqui. Desfrutamos o tempo que quisemos daquele momento. Poucos minutos depois, seguimos viagem em direção ao centro da cratera.

No centro da cratera existe um lago enorme, é o Lago Magadi ou Makat (que significa “sal” na língua Maasai) que se torna gigante na época das chuvas e encolhe significativamente na época seca. O Saimoni dirigia o jeep para esse local e, à medida que nos íamos aproximando, a presença animal eram cada vez mais significativas. Estavam organizados por famílias e moviam-se lentamente. A paisagem parecia ter sido criada, não parecia real! Alguém tinha estado ali a posicionar arquitetonicamente todas aquelas “figuras”. Estivemos muito tempo sem conseguirmos falar uma única palavra, apenas nos olhavamos… Era literalmente as imagens que víamos na TV!

Nota: Ngorongoro faz parte do itinerário da grande migração anual de 2 milhões de gnus, 250 mil zebras e 500 mil gazelas. Além disso, tem uma população “residente” de cerca de 25 mil animais, dos quais os famosos “big five” (cinco grandes: leão, leopardo, búfalo, rinoceronte e elefante) também fazem parte. A diversidade daquele local é tanta que boa parte das espécies prefere ali ficar durante todo o ano, contribuindo na densidade animal. Há naturalmente migrações, onde as aves estão igualmente inseridas, mas outra grande parte permanece naquele local. Assim sendo, para quem gostava de ver vida selvagem, no seu habitat natural e em simultâneo gastar menos dinheiro, fazer um safari apenas em Ngorongoro seja talvez uma solução!

Assistimos a migrações, confrontos e até uma caçada:

Num determinado momento, o Saimoni inverteu marcha e acelerou – já sabíamos: algo se passava não a muitos metros. “Caramba, que instinto tem este homem! Como sabe?” Nem os movimentos mais abruptos nos fizeram sentar. Ao longe começámos a avistar 2 jeeps estacionádos na berma. Ainda longe, começámos a perceber o que se passava: uma caçada! Estávamos a presenciar uma leoa a tentar caçar javalis. Eram 2 e os seus movimentos estavam incrivelmente sincronizados. Ela rastejava, na tentativa de não ser detetada pelos javalis e, apesar da distância, conseguíamos ver o movimento de cada musculo. Os javalis estavam a comer e não estavam claramente a dar pela sua presença. Ela estava concentradíssima nos movimentos dos javalis, tentava aproximar-se deles e, parecia que quanto mais perto, mais rastejava para não ser detetada. Estivemos ali seguramente uns 20 minutos: esperávamos o ataque. Estávamos tão nervosos ao ponto de transpirar. O Saimoni sussurrou-nos “Ela não vai atacar.” E nós respondemos: “Como não? Ela está tão perto! A corrida dela consegue apanhá-los com muita facilidade!” Ele sorriu e não voltou a expressar qualquer palavra.

É verdade, o Saimoni tinha razão: pouco depois, os javalis aceleraram na direção dela, mas ligeiramente desviados para o interior. Estava tão perto, mas a leoa de facto desistiu de os atacar. O Saimoni percebeu que não ia haver ataque no momento em que ela deixou de encostar a cabeça ao solo, talvez porque os javalis a pressentiram, mas a verdadeira razão nunca a saberemos. Uma vez mais a imprevisibilidade da natureza a mostrar como é!

Ainda em “choque” por aquele acontecimento, seguimos viagem. Ao fundo voltámos a ver mais uma concentração de jeeps. Seguiamos para lá. Uma vez mais eu não consegui perceber o que era. O Saimoni e o Magno pegaram nos binóculos e começaram a ver o horizonte e, quase em uníssono disseram: “um rinoceronte”! Era o segundo que avistávamos (o primeiro tinha sido no Serengeti). Os rinocerontes estão em vias de extinção e encontrá-los é praticamente um feito! Estava tão longe e os seus movimentos indicavam que dificilmente vinha na nossa direção… Decidimos seguir viagem.

Nota: Os rinocerontes estão em vias de extinção e, facto é que, durante esta viagem apenas vimos 2. Apesar disso, na Tanzânia, a probabilidade de encontrar rinocerontes é maior na cratera de Ngorongoro. A ameaça é bastante elevada, mas a pequena população existente tem prosperado nos últimos anos, devido à presença de rangers que vigiam os rinocerontes 24 horas por dia, protegendo-os de eventuais caçadores furtivos ou de outro tipo de ameaças.

A hora do almoço estava a aproximar-se e o limite para sair da reserva aproximava-se. Sabíamos que não íamos estar muito mais tempo ali dentro, mas percebemos que o jeep seguiu novamente em direção ao interior da cratera. “Hummm, que estranho…” Ao longe voltámos a ver mais uma concentração de jeeps. O Saimoni dirigia devagar o jeep para aquele local. Ia abrandando e, em um ou outro, momento, chegava mesmo a parar e a desligar o jeep. À nossa volta continuavam a surgir grupos enormes de zebras, gnus e até búfalos.

Confesso que a minha atenção estava focada no acumulado de jeeps, que parecia cada vez era maior. Comecei a ficar ansiosa e a querer chegar àquele local o quanto antes. Nesse instante, o Saimoni acelerou o jeep: íamos finalmente naquela direção. Wow… Eram 4 jovens leões! Estavam deitados e confundiam-se com as pastagens secas! Extraordinário! O Saimoni não conseguiu aproximar imediatamente o jeep, porque a confusão de jeeps era imensa. Mas, à medida que iam saindo os jeeps que estavam mais à frente, o Saimoni ia aproximando o nosso. Tanto nos aproximámos, que conseguimos estacionar mesmo em frente ao grupo, que estaria no máximo a 5 metros de distância. O Saimoni desligou o jeep – já sabia que íamos querer ficar ali durante algum tempo.

A paragem seguinte foi junto a outro pequeno lago e que maravilha de lugar! Havia uma mistura de animais: gazelas, impalas, zebras, flamingos e uma grande família de hipopótamos. A família vagueava por ali, uns dentro de água, outros pelo bordo do lago. Vimos 2 crias atentamente acompanhadas pela progenitora. O cenário era uma vez mais maravilhoso!

Nota: O safari é fazer muitos quilómetros, observar o horizonte em busca de um animal. A sua deteção é imprevisível, não podemos escolher o que queremos ver. É a natureza no seu estado mais puro. Para os amantes da vida e sobretudo da vida animal,

Estávamos próximos da saída do parque e sabíamos que o safari aproximava-se do fim. Íamos deixar a savana! À medida que o jeep começava a subir a colina do vulcão, a memória começou sem esforço a rebobinar aqueles últimos 4 dias e a nostalgia começava a chegar. Em boa verdade, destes últimos 4 dias de safari, ver tantos animais no seu habitat natural, avistar zebras ou gnus parados ou a comer, acaba por se tornar uma situação corriqueira e já não suficiente. Demos por nós a tentar procurar as caçadas, os acasalamentos ou os confrontos. Não obstante, afirmo convictamente que esta foi uma das experiências mais marcantes e mais incríveis de toda a nossa vida. Os nossos olhos eram a imagem mais genuína do nosso coração…

Almoçámos já no exterior do parque num miradouro, que teria vista para a cratera de Ngorongoro. No entanto, o tempo voltara a ficar frio e encoberto e não permitiu desfrutar daquele espaço. Depois do almoço, fizemos novamente o caminho de regresso ao hotel que nos recebeu em Arusha. Foram 3 horas de viagem onde a mente continuou a reviver aqueles 4 últimos dias.

Chegámos ao final da tarde e estávamos exaustos. Era hora de nos despedirmos do Saimoni, o nosso guia e um amigo que trouxemos no coração. Juntos percorremos cerca de 1500 quilómetros por caminhos, na sua maioria, bem difíceis. Conversámos muito, escutou-nos ainda mais, ensinou-nos, esteve sempre muito atento à nossa segurança e bem-estar (mesmo quando tivemos necessidade de ir a um WC em plena savana…). Simpático, gentil, afável e tão sereno… Percebeu exatamente o que precisávamos e quando precisávamos. Com ele realizámos uma das viagens mais incríveis e marcantes das nossas vidas! Como o poderemos esquecer? O nosso abraço na despedida foi sentido porque há uma marca no nosso coração! Com muita emoção à mistura, conseguimos olhá-lo nos olhos e dizer que “a savana e a natureza passaram a ter um significado diferente nas nossas vidas, muito graças a ele!” Pedimos-lhe que “com a mesma emoção, continuasse a fazer com outros, aquilo que conseguiu fazer connosco: transformar-nos.

Naquela noite, estávamos convictos de que a adrenalina e a aventura tinham chegado ao fim desta viagem. O dia seguinte seria bem mais calmo… hum, seria? Descobrimos que estávamos redondamente enganados.

7ºdia (05.08.2022) – Kilimanjaro

Acordámos mais tarde do que era habitual naqueles últimos dias. Por voltas das 8 horas e já com o pequeno-almoço despachado, estávamos prontos para seguir viagem. Aguardámos na receção do hotel pelo motorista, que desconhecíamos e que seria a pessoa responsável por nos levar. O destino era a região de Kilimanjaro.

Nota: Durante a preparação desta viagem, planeámos a visita à região de Kilimanjaro. Na verdade, gostaríamos de ter tido coragem para subir até ao topo da maior montanha de África, mas achámos que não estávamos preparados para subir quase 6000 metros de altura, para não falar do facto de não disponibilizarmos nem tempo nem orçamento para o resto da viagem que gostávamos de fazer.

Estávamos sem expectativas quanto àquele “pequeno” passeio que tínhamos programado. O plano era visitar umas cascatas e passear pelo vale, onde estão inseridas plantações de banana e café, essenciais para a sobrevivência daquele povo. Seria um dia muito mais leve que os últimos, pensámos nós.

Pelo caminho fomos conversando com o rapaz que nos transportava. Era novo e, coincidentemente, era daquela região. Foi-nos falando das dificuldades das suas gentes e sobretudo das pessoas que viviam ali naquela região. Ficámos a saber que aquelas pessoas vivem na sua grande maioria das plantações da banana. Na Tanzânia, existem cerca de 30 qualidades de banana e aquelas 30 são plantadas ali. Por outro lado, são as mulheres responsáveis por vendê-las nos mercados das grandes cidades. Elas percorrem quase todos os dias cerca de 100 quilómetros (50 para cada lado) com os cachos das bananas à cabeça. A esperança média de vida das mulheres de Kilimanjaro é significativamente superior à dos homens, talvez consequência de tantos quilómetros percorridos ao longo de toda a sua vida. No momento, achámos tudo isto no mínimo surpreendente e duvidoso.

A viagem durou cerca de uma hora até Materuni, a última aldeia antes da subida para o cume da montanha de Kilimanjaro. À medida que nos aproximávamos do local onde íamos sair, pudemos testemunhar o que o rapaz nos estava a contar. Era mesmo verdade! Antes de começarmos a subir e a percorrer caminhos de terra, passamos por imensos mercados e lá estavam estas mulheres com pequenas bancas de bananas. A diversidade de bananas existente era de facto imensa! Quando começámos a subir, as estradas ficavam cada vez mais estreitas e escorregadias pela lama. O verde que nos envolvia era proveniente das bananeiras. E, surpreendentemente, lá vinham as mulheres: normalmente aos pares e com os ditos cachos colados às cabeças, de tal modo, que mal conseguíamos ver-lhes o olhar. Àquela hora vinham a descer, iam para os mercados, como nos tinha dito o rapaz. Ficámos impressionados.

À medida que subíamos a encosta da montanha, as estradas pareciam-nos cada vez mais estreitas, escorregadias e cheias de buracos. Ao contrário do que pensámos, não estava frio, mas havia nuvens no céu, a humidade era elevada, o que acabava por provocar a existência de muita lama no chão. Olhávamos pelas janelas do carro e víamos pessoas curiosas a olhar para o movimento da estrada, especialmente para os poucos turistas que por ali estavam a passar. E eis que, entretanto, o motorista estaciona o carro naquilo que nos parecia ser uma garagem particular. Era hora de sair do interior e perceber o que se ia passar a seguir. Perguntaram-nos se queríamos utilizar o WC e pediram-nos para preencher alguns dados (era uma espécie de registo turístico). Assim fizemos: enquanto o Magno utilizou o WC (segundo ele, um buraco escavado na terra e envolto numa porta de madeira pendurada), eu fiquei a preencher o dito formulário. Naquele sítio, estavam seguramente umas 10 pessoas a presenciar o preenchimento do dito protocolo. Levamos tudo connosco à exceção das duas malas de viagem, que ficaram no carro, trancadas com aloquetes. Quando o Magno se aproximou, partilhou comigo que estava a achar tudo aquilo muito estranho e que estava bastante cético. Até àquele momento não tinha pensado naquilo e muito menos me sentia receosa. Mas, naturalmente, fiquei mais desperta para o assunto. Aproximou-se de nós aquele que seria o nosso guia e informou-nos de que íamos fazer um trajeto de cerca de duas horas a pé, para cada lado, até às cascatas de Materuni. O nosso motorista viria connosco. Levávamos as mochilas, mas ainda pensámos duas vezes se não deviam de ter ficado no carro. Naquela manhã, ainda pensei levar chinelos… Puf, bendita hora que ambos pensámos nas botas! Não olhámos mais para trás e seguimos viagem para o interior da selva.

Subimos um bom bocado e, à medida que enveredávamos para o interior, mais lama parecia existir. O nosso guia seguia à nossa frente e, lá de vez em quando, verificávamos se o nosso motorista também vinha atrás de nós. Uns metros mais à frente, o trajeto deixava de ser em estrada para se tornar num carreiro estreito, onde não chegavam os carros. As pessoas tinham que se deslocar a pé para, em braços, transportarem os seus bens até às suas casas. Atravessámos o interior de algumas habitações e também de alguns currais de vacas e de porcos, que pouco depois deixámos de os ver.

O vale começava a definir-se e o som da água começava a intensificar-se. Do lado direito, a montanha envolta pelo arvoredo exótico, onde estavam também muitos cafeeiros (árvore que dá o café) e, do lado esquerdo, ravinas (em determinadas zonas capazes de causar moça grande) que terminavam no riacho.

Sentimos várias vezes os pés a deslizarem e também muitas vezes, as pernas a cederem na lama. Começámos a definir estratégias para não irmos parar ao chão ou ribanceira abaixo: a passada tinha que ser mais curta e mais leve. À medida que caminhávamos, começámos a ver mais turistas, onde também iam crianças, o que também acabou por nos tranquilizar. Ainda nos rimos porque afinal não estávamos tão mal preparados…

A nossa concentração estava no auge para evitar a queda, mas, ainda assim, conseguimos conversar com o guia, que nos ia chamando a atenção para a fauna e a flora existentes e com as quais nos íamos cruzando. Estávamos quase a chegar às ditas cascatas porque além do caudal do rio estar mais largo, o som daquela que seria uma enorme queda de água, começava a intensificar-se à medida que avançávamos.

No outro lado do rio, vimos duas mulheres que desciam a encosta com um enorme manado de pasto verde à cabeça. Ao contrário do que vimos nas outras regiões da Tanzânia, ali não é o homem que vai pastar o gado, mas sim que transporta o alimento para os animais encurralados. Um esforço fora de série tendo em conta aquilo que estávamos a viver.

Cerca de duas horas depois, as cascatas eram evidentes. A “monstruosa” queda de água tem cerca de 200 metros de altura e está localizada a 1800 metros de altura, muito longe dos 5895 metros, a altitude máxima da montanha do Kilimanjaro. A humidade tornara-se significativamente maior e provocara uma nuvem de gotículas de água no local. Aquele cenário era incrivelmente arrebatador de tanta beleza. Na base da cascata formava-se uma enorme piscina que fez-nos pensar num eventual mergulho e só não o fizemos porque pensámos no trajeto de regresso e do frio que iriamos sentir. Mesmo assim, houveram alguns corajosos que o fizeram.

Depois de alguns minutos a desfrutar daquele cenário, iniciámos a descida. Chegámos bem mais rápido (menos 30 minutos), talvez porque íamos a descer.

Era hora de almoçar e o almoço também seria por ali com a comunidade local, mas não sabíamos exatamente em que “formato”. Além disso, estava também previsto ver a plantação de café e bananas. Posto isto, o nosso guia perguntou-nos se queríamos almoçar ou ir às plantações. Como estávamos famintos, pedimos para almoçar primeiro. E assim foi. Descemos uma pequena colina e entrámos naquilo que nos pareceu ser o terreno de uma casa privada. O nosso calçado estava bastante enlameado, ao ponto de ficarem colados ao chão. Como íamos a comentar com o nosso motorista que, na viagem de regresso, teríamos que ir no tejadilho do carro, para não o sujar, quando chegámos ao local onde íamos almoçar, lá estava um rapaz com 2 pares de “crocs”. Amavelmente foram limpar-nos o calçado, que veio como novo!

À nossa espera estava um grupo de cerca de 8 rapazes, sim tudo homens. Sorridentes deram-nos todos as boas-vindas. Havia um rapaz que era o líder do grupo. Foi ele que contactou connosco durante o tempo que ali estivemos e que também almoçou connosco, além do nosso guia e do nosso motorista.

O local do nosso almoço era maravilhoso e fez-me lembrar as típicas roças africanas: envolto em árvores exóticas e folhas de bananeira, estava uma espécie de coreto construído em madeira escura; no centro uma mesa redonda e nas extremidades os bancos com encosto que delimitavam o coreto; só havia uma entrada. A mesa estava coberta com uma toalha avermelhada que fazia sobressair aquele centro e, em cima da toalha, aquele que seria o nosso almoço. A comida estava colocada em louça de barro escuro e, tal como a toalha vermelha, o colorido dos alimentos que ali estavam e que tinham sido destapados logo que ali chegámos, sobressaiam no espaço. Já não sei precisar exatamente o que era tudo aquilo, mas entre carne estufada, farofa, 3 tipos de banana, arroz branco, feijão, abacaxi e melancia, posso afirmar convictamente que a variedade era tanta, que dava gosto olhar para aquele ambiente.

Nota: Em todos estes dias de viagens constantes, em nenhum momento tivemos problemas gástricos. Procuramos sempre comer comidas cozinhadas e, no que diz respeito às frutas já cortadas, verificar sempre a forma como estavam acondicionadas, nomeadamente se estavam isoladas. Posso afirmar que, nunca nos sentimos inseguros.

Depois de estarmos 100% satisfeitos, era a hora do café. E, apesar de não beber café, fomos desafiados a prepará-lo da forma que a maioria dos tanzanianos preparam: de forma artesanal. Humm, ia ser interessante!

O líder do grupo começou a explicar-nos o processo de produção do café, desde a plantação à preparação do café. Basicamente o processo é dividido em 8 fases: plantação, colheita, processamento, cura, degustação, torrefação, moagem e por fim a preparação da bebida. Apesar de não termos presenciado todo o processo, posso afirmar que o processo é muito interessante. E por isso aqui vai o que presenciámos (legendado com algumas fotografias):

Como a colheita é feita uma vez por ano, nós só entramos no processo a partir da fase do processamento, ou seja, depois do processo de secagem, que pode ser feito pelo método seco ou húmido. Dependendo do método selecionado, o sabor do café obterá características distintas ao nível da acidez e do aroma. O grão que tínhamos foi seco através do método seco. Com este grão fomos incumbidos de remover a casca que cobre o grão de café, com a ajuda do enorme pilão. Este subprocesso é a fase da cura que, despois de removida a casca, permite aos “experts” classificá-lo de acordo com a sua qualidade, forma e tamanho. É nesta fase que entra a fase de degustação que, apesar de ocorrer ao longo dos vários subprocessos, não é mais do que a avaliação qualitativa do grão.

Nota: O pilão é um utensilio típico da cozinha africana, com as mesmas funções de um almofariz e que serve para moer alimentos.

Depois de removermos a casca do grão, era hora de torrar os grãos de café. E para isso tivemos que sujeitar o grão a altas temperaturas. Colocámos os grãos limpos numa panela e, por sua vez, esta numa fogueira que tinha sido responsavelmente preparada pelo grupo de rapazes que nos acompanhava. Esta fase faz aumentar o tamanho do grão em cerca de 80% e faz perder até 20% do seu peso. Além disso, reduz o teor de cafeina e permite que o grão adquira a sua cor característica. Resumindo, é nesta fase que o café atinge os seus sabores e aromas mais característicos.

Depois do café torrado, voltámos ao pilão: chegara a famosa fase da moagem. Este subprocesso permite reduzir os grãos de café a pó. Se o café for preparado logo após a moagem, terá um aroma e um sabor ainda mais intensos.

Enquanto moíamos o café, uma parte do grupo preparava a água onde ia ser adicionado o pó. Quando lá chegámos, a água já fervia. Adicionámos o pó enquanto íamos mexendo e envolvendo lentamente o pó na água. Quatro canecas já estavam distribuídas em cima da mesa redonda onde tínhamos almoçado. Levámos a panela até lá e, enquanto coávamos o líquido, conseguimos perceber a cremosidade do café. Apesar de não beber café, não resisti a provar e, devo dizer que era maravilhoso.

Mas devo dizer que o mais maravilhoso desta experiência foi, uma vez mais, o contacto com a população local: enquanto conhecíamos todo o processo, a música e a alegria africana, a genuinidade daquela gente foi uma constante e incrivelmente contagiante. Pode parecer exagero da minha parte, mas se estávamos céticos no início, o dia permitiu-nos entregar-nos a esta alegria de viver, tão simples e alegre. Parece impossível? Então, desafio-te a ver o vídeo que disponibilizamos no final deste artigo.

O dia ia tão adiantado que nem demos pelo tempo passar. Eram 4 horas da tarde quando saímos da aldeia onde estávamos, cansados, mas tão satisfeitos e ainda mais gratos pela experiência daquele dia, que não esperávamos. Pelo caminho, voltámos a testemunhar a presença daquelas mulheres que carregavam os cachos de bananas à cabeça, mas que desta vez subiam a colina, em direção às suas casas, talvez sem terem conseguido vender nada.

O rapaz deixou-nos num novo hotel, que pertence ao mesmo grupo do hotel do primeiro dia. Contudo, localizado bem perto do aeroporto. Decidimos jantar no restaurante do hotel e deitar-nos logo que possível. Estávamos de facto bastante exaustos e, no dia seguinte, teríamos que voltar a acordar bem cedo.

8ºdia (06.08.2022) – Zanzibar (primeiro dia)

Acordámos ainda de madrugada. Na receção do hotel, tinham-nos deixado um pequeno-almoço volante e aguardava-nos o transfere que nos levaria ao aeroporto de Kilimajaro. Tínhamos partida prevista para as 7 horas e 35 minutos da manhã e o destino era o arquipélago de Zanzibar, mais precisamente a ilha de Unguja. A duração da viagem era apenas de 45 minutos o que significava que a chegada estava prevista para as 8 horas e 20 minutos da manhã. A previsão para os próximos 5 dias seria para descansar (ou não)!

Com quase uma hora de atraso, levantámos voo em direção a Zanzibar. Lá em cima, eis a oportunidade de poder vislumbrar o topo da montanha de Kilimanjaro que, a partir do solo, as nuvens nos tinham impedido de ver. Uma imagem estrondosa, que guardaremos eternamente na nossa memória.

Chegámos a Zanzibar e rapidamente conseguimos desembarcar. À nossa espera estava o nosso transfere, que tínhamos reservado também em Dezembro e por outro contacto local, o Chiddy. Sem perder muito tempo, saímos de Stone Town, a capital de Unguja, a maior ilha do Arquipélago de Zanzibar. Seguimos viagem em direção à região de Nungwi, onde estava localizado o nosso hotel e onde iriamos ficar as próximas 4 noites.

Nota: Três dias antes, tínhamos recebido informação de que, a reserva no hotel que tínhamos escolhido em Zanzibar (Diamonds Mapenzi Beach) tinha sofrido um overbooking. O overbooking é resumidamente quando uma companhia pratica a “sobrevenda”, ou seja, a companhia vende mais assentos de avião, quartos, etc, do que a capacidade realmente existente. Não sei se é esta a prática, mas neste caso, ficámos convictos de que a sua ocorrência foi gerada porque fizemos a reserva em Dezembro para uma estadia que iria acontecer 8 meses depois. Como é fácil de perceber, conseguimos preços muito mais em conta, mas o hotel continuou a vender, excedeu a sua capacidade e acabou por dar prioridade a quem pagou mais e não quem reservou com antecedência, acabando assim por lucrar mais. Provavelmente estaria nas letras pequeninas da reserva, mas nós não as lemos… Foi uma situação que nunca nos tinha acontecido e, como sabem até viajamos bastante. Naquele momento, sentimo-nos injustiçados e revoltados. Mas estávamos em viagem e a revolta acabou por ser atenuada. Claro que a situação foi resolvida e não ficámos a dormir na rua: o hotel deu-nos duas outras opções que, depois de uma pesquisa rápida, percebemos que tinha ficado bem mais barata do que aquilo que tínhamos pagado. Ainda nos quiseram dar um voucher numa próxima estadia num dos hotéis do grupo, mas, para nós, não havia nem há compensação possível e aceitável. Pelo comportamento que, para nós, é pouco profissional e pouco correto, não aconselhamos este hotel.

Sensivelmente a meio do caminho, o nosso motorista parou junto a uma banca montada junto à berma da estrada. O senhor ofereceu-nos, pela primeira vez na Tanzânia, uma água de coco. O Magno não apreciou mas eu devorei as duas facilmente e, se os meus dentes tivessem permitido, teria comido também o coco.

Chegámos finalmente a Nungwi. Percorremos cerca de 60 quilómetros em aproximadamente uma hora de viagem. Estava calor e o sol espreitava. Fizemos o check-in antes da hora, pelo que não pudemos deixar imediatamente as coisas no nosso quarto. Pedimos um WC para trocar de roupa e, posteriormente, que nos guardassem as bagagens até termos o nosso quarto disponível. E assim foi.

Nota: Em Zanzibar, à semelhança do que vimos em Tanganica (continente), não há autoestradas, ou pelo menos não as vimos. As estradas principais são alcatroadas e, na maioria, bem alcatroadas. Contudo, se enveredarmos por estradas secundárias, o piso passa a ser em terra batida e, na maioria das vezes, cheia de buracos.

Aquela tarde foi essencialmente de reconhecimento do espaço envolvente, uns bons primeiros banhos naquele mar incrível e aproveitar para descansar dos últimos intensos dias.

9ºdia (07.08.2022) – Zanzibar (Visita a Spice Farm, Stone Town e a Prison Island)

À semelhança dos outros dias, a manhã voltava a começar bem cedo. Na preparação da viagem, tínhamos programado um dia completo para conhecer uma exploração de especiarias, a cidade de Stone Town e Prison Island. Mas antes de “embarcarmos” no programa que tínhamos previsto, saímos do quarto decididos a fazer uma caminhada à beira mar.

Eram sete e meia da manhã e já andávamos com os pés colados na areia. Fizemos uma caminhada à beira mar, de cerca de uma hora que soube-nos incrivelmente bem. O silêncio era apenas quebrado pela ondulação do mar e, ao longe, começámos a ver os pescadores a prepararem-se para se fazerem ao mar para mais um dia de trabalho. No regresso fomos diretos ao pequeno almoço porque dalí a poucos minutos estariam à nossa espera.

À hora marcada, lá estava o motorista no átrio da receção do hotel. Cerca de 40 minutos depois de termos saído, o motorista estacionou o carro na plantação de especiarias que iríamos visitar naquela manhã. Assim que saímos do carro, acercou-se de nós um pequeno grupo de crianças e logo de seguida um homem e um rapaz novos. O homem seria o nosso guia e o rapaz seu ajudante que nos acompanhariam naquela manhã de visita à quinta de especiarias.

Embrenhamos no interior da plantação e fomos tentando descobrir cada especiaria que nos iam apresentando, à medida que nos iam explicando a sua origem e os cuidados para cultivo. A “pinta lábios”, proveniente da planta Bixa orellana, foi a primeira a ser apresentada. Trata-se de um fruto vermelho com imensos fins, dois deles são por exemplo um dos compostos do bâton ou do verniz para as unhas.

Vimos também o cravinho, vários tipos de pimenta, o gengibre, a baunilha, amêndoa, limão, nós moscada, cominhos e tantos outros.

O mais surpreendente para nós foi descobrir a origem da canela: descobrimos que a canela tem origem a partir da árvore caneleira e que a sua extração e processamento é um processo muito interessante. Além disso, tivemos conhecimento de um infindável mundo de produtos obtidos a partir deles como por exemplo, fragâncias e balsamos desenvolvidos por grandes marcas internacionais. Vim rendida com a diversidade e a qualidade dos produtos que nos mostraram. Confesso que foi difícil resistir à compra de alguns destes produtos.

A passagem por esta plantação revelou-se de facto uma verdadeira surpresa: estas plantações assumem um papel muito importante na economia de Zanzibar e da Tanzânia, já que produzem para todo o mundo.

Estavamos quase a finalizar a nossa visita à plantação, quando nos convidaram a sentar. Ali perto andava o grupo de crianças que nos recebeu e que, pouco depois, estavam junto de nós novamente. Nesse mesmo instante, ouvimos um homem, de estatura baixa e de pés largos, a cantar enquanto começava a subir uma árvore com um pequeno cordel envolto nos pés descalços. As canções eram-nos familiares da visita à região do Kilimanjaro. As crianças também as sabiam e cantavam com uma alegria contagiante.

Quando o homem desceu, recolheu algumas folhas da árvore que tinha subido e começou a trabalha-las. Montou-nos 2 coroas, uma para mim e outra para o Magno e fez ainda uma gravata e uma pulseira para cada uma. Maravilhoso o que conseguiu montar em pouco mais de 10 minutos. Ora digam lá se não somos primos do rei Juliano!?!?

O almoço seguiu-se logo depois. Convidaram-nos a almoçar com eles e não recusámos. Sentámo-nos numa manta colocada no chão e serviram-nos o almoço. Era comida local, simples mas claramente preparada com muito carinho. Uma vez mais adorámos esta experiência.

Depois do almoço seguimos viagem para o centro da cidade de Stone Town. Não estávamos muito longe. Pelo caminho, parámos para dar boleia a mais uma rapaz, que seria o guia para o resto do dia. O motorista deixou-nos precisamente junto ao mercado principal da cidade. E lá fomos nós novamente para mais um mercado. O guia deu-nos algumas dicas, explicou o que íamos ver e fazer nas próximas horas. Começou por nos convidar a entrar no mercado.

Entrámos no Mercado Darajani e de imediato demos com o talho de um lado e a peixaria do outro. É um caos e pode não ser muito apelativo para todos! O nosso guia observava-nos com muita atenção e percebemos que estava atento aos nossos gestos e atitudes, tentando perceber se algo nos incomodava. De facto, é claramente um ambiente diferente do que estamos habituados: primeiro porque são os homens que comercializam o peixe e a carne, depois o peixe e a carne estão pousados abertamente na pedra ou cimento das bancadas existentes e por fim o cheiro é bastante intenso. Se incomodou? Sim, confesso que nos fez um pouco de confusão, mas já o esperávamos e por isso não nos surpreendeu. Seguimos o corredor que deu acesso à mercearia e zona do vestuário. Era claramente um ambiente mais leve e fluído. Mais uma vez, o mercado explicava-nos a forma de vida desta população, a população do Arquipélago de Zanzibar.

Saímos do outro lado do mercado, em pleno coração da cidade velha. Percorremos ruas estreitíssimas enquanto conversávamos com o guia, e visitávamos pequenas lojas particulares e cheias de carisma. Foi contando a história da cidade, das pessoas e a forma como elas vivem.

Passámos na rua onde está a casa onde o Freddie Mercury nasceu e viveu nos primeiros anos de vida e descemos em direção ao antigo Forte construído sobre as fundações de uma igreja portuguesa. No interior existem algumas lojas de souvenirs dedicadas ao turismo, um pequeno anfiteatro e um átrio onde se realizam alguns eventos.

O dia aproximava-se do fim e o sol começava a inclinar-se no horizonte. Tínhamos percorrido o longo passeio marítimo junto ao mar e aproximávamo-nos do pontão marítimo e da zona portuária. Entrámos num barco típico e iniciámos uma pequena viagem de cerca de 10 a 15 minutos, que nos levaria a Prison Island ou também conhecida por ilha Changuu. A viagem foi rápida e tranquila. Contornámos uma pequena praia de areia fina e, pouco depois, o pescador que nos levava desligou o motor do pequeno barco. Saltámos para a água com os sapatos na mão, percorremos a pequena Praia de Nakupenda e encaminhámo-nos para as escadas de madeira que ligavam o areal ao interior da ilha.

Nota: A pequena ilha tem cerca de 800 metros de comprimento por 230 metros de largura e, para visitá-la, precisamos sensivelmente 2 horas. Se visitares a titulo pessoal este local, podes encontrar mais informação no site oficial que disponibilizamos aqui.

Percorremos os curtos passadiços e entrámos no edifício que dá nome à ilha: uma antiga prisão. Esta construção foi edificada em 1894 com o objetivo de servir efetivamente de prisão, mas o edifício nunca chegou a ser usado com esse propósito. Chegou a ser um hospital e por isso também é muito conhecida como a Ilha da Quarentena. Atualmente é um edifício que serve fins turísticos e ambientais.

Mas a verdadeira razão que nos levou ali foi conhecer o pequeno santuário ali existente. Aquele local acolhe tartarugas com dimensões verdadeiramente impressionantes. Estima-se que um destes animais gigantes tenha cerca de 197 anos e há quatro com mais de 150 anos. Percorremos o pequeno espaço, onde ainda tivemos oportunidade de poder alimentar alguns destes enormes animais. Foi emocionante contactar tão de perto com estes seres que, se os compreendêssemos, de certo teriam imensas histórias para nos contar.

O dia ia longo e já tínhamos percorrido cerca de 9 quilómetros a pé. Regressámos ao barco que nos esperava e que nos trouxe de regresso a Stone Town. À nossa espera estava o motorista. Exaustos, regressámos ao hotel quando a noite já tinha chegado.

10ºdia (08.08.2022) – Zanzibar (The Rock)

Acordámos com o dia envergonhado: tinha estado a chover durante a noite e tudo à volta ainda estava húmido. O programa para aquele dia também tinha sido montado com antecedência. Íamos passar o dia no sudoeste da ilha e era importante que não chovesse… O principal objetivo era almoçar no famoso restaurante The Rock Restaurant Zanzibar, localizado na povoação Pingwe, e passear um bocadinho pela redondeza.

Pouco antes das 9 horas da manhã, o motorista que nos levara a Stone Town no dia anterior aguardava por nós na receção do hotel. Sem perder tempo, entrámos no carro e iniciámos a viagem em direção ao sul da ilha. Pela frente tínhamos uma viagem de cerca de uma hora até ao nosso destino. Pelo caminho vimos o tempo melhorar significativamente: boas notícias!

Na viagem fomos apreciando as ruas e as casas, as pessoas e as suas vidas. Nada era novidade, mas tudo parecia novo e diferente. Nada conseguia demover a nossa atenção. Com tanta coisa a acontecer à nossa volta, vimos uma viagem, que tinha tudo para ser aborrecida e cansativa, a acontecer num ápice.

O motorista deixou-nos num espaço envolto em palmeiras muito altas e de solo em areia branca e fina. Ali já estavam outros carros estacionados, onde alguns homens, que supusemos serem motoristas, aguardavam pelos seus passageiros enquanto conversavam animadamente.

Percorremos um caminho pedestre, contornando a traseira de alojamentos e restaurantes. Estávamos totalmente focados em encontrar o The Rock que, na ida, nem reparámos na envolvência tropical do espaço que estávamos a percorrer nem no facto de termos entrado num restaurante para apressar a chegada ao areal de onde era possível avistar o The Rock. Senti que a chegada foi apoteótica: a paisagem é absolutamente maravilhosa.

A maré estava a encher e não havia assim tantas pessoas como pensei que estivessem, dada a quantidade de carros estacionados naquele pequeno parque. E ali estava ela: a Rocha! O azul turquesa do Oceano fazia sobressair aquela rocha, que parece ter sido posicionada intensionalmente ali. O céu quase que se confundia com a azul do Oceano Índico.

Nota: O The Rock é um pequeno edifício construído em cima de uma pequena rocha e está envolvido, sem exageros, num maravilhoso cenário paradisíaco de água azul turquesa, na maioria das vezes acessível apenas de barco ou a nado. Outrora um posto avançado para pescadores de subsistência à aldeia local de Michamvi, o The Rock é atualmente, um restaurante cujo menu foi essencialmente preparado e pensado nos ingredientes locais e regionais. Fizemos a reserva com bastante antecedência e via site oficial, disponível aqui.

Tirámos o calçado e colocámos os pés na areia fina e branca da praia de Michamvi Pingwe, localizado na costa sudeste da ilha. Aproximamo-nos da água e ficámos ali especados um bom tempo a contemplar a paisagem. Tínhamos reservado mesa para o almoço e, depois de termos conseguido deixar o “estado hipnótico” em que tínhamos entrado, fizemo-nos à água e apanhámos boleia do barco que estava a fazer as travessias.

O pequeno barco encostou às escadas de madeira, mais precisamente troncos de madeira, que dão acesso ao interior do espaço. Saímos e ficámos ali, nos degraus inferiores a contemplar a paisagem desta vez para o areal. Depois de algum tempo, conseguimos de novo desbloquear. Estávamos praticamente sozinhos e lá conseguimos subir a dita escadaria de madeira de acesso ao interior do restaurante.

Sentámo-nos na mesa que tinha sido reservada para nós e fomos absorvendo tudo o que estava a acontecer à nossa volta. O teto em madeira e palha, insere-se perfeitamente no ambiente envolvente onde a natureza está presente em todo o lado. No interior existem sensivelmente 20 mesas, em que todas elas podem espreitar o mar pelas pequenas janelas e a grande porta viradas para o mar azul turquesa, por onde a suave brisa com cheiro intenso a maresia deambula pela sala e volta a sair por uma qualquer abertura.

Comemos peixe e marisco pescado naquele mar por pescadores locais e, cerca de duas horas depois de nos sentarmos à mesa, levantámo-nos e dirigimo-nos para a incrível varanda existente na traseira do restaurante. Esta varanda está virada para o infindável Oceano Índico e a paisagem é maravilhosa. Ali existem sofás ondes os clientes podem simplesmente beber uma bebida sem ter que fazer propriamente uma refeição (pelo menos assim era quando lá fomos). Ficámos ali mais um bocadinho a desfrutar daquele ambiente extraordinário até decidirmos seguir viagem.

Quando o barco nos deixou na praia, o tempo continuava maravilhoso. Ainda passeamos pelo areal até que decidimos regressar ao carro e voltar a fazer a viagem de volta ao hotel.

Gostámos de conhecer o local que embora simples, não deixa de ser de uma beleza extraordinária. É verdade que os pratos do restaurante têm um custo acima da média, mas compreendemos a razão.

Chegámos ao hotel já o sol se estava a pôr e, como o dia seguinte prometia mais atividade, decidimos não fazer mais nada o resto do tempo.

11ºdia (09.08.2022) – Zanzibar (Mergulho com golfinhos e snorkeling)

Voltámos a acordar cedo! E mais uma caminhada matinal se seguiu. É verdade que tínhamos uma manhã recheada de coisas para fazer e a caminhada podia vir a causar-nos alguns transtornos na gestão do tempo. Mas também é verdade que vínhamos “embalados das maratonas” matinais dos dias anteriores e, além disso, a caminhada da ultima manhã tinha sido muito agradável.

Nota: Na manhã anterior, durante a caminhada, fomos abordados por um rapaz que circulava à beira mar, com um pequeno livro encadernado em argolas. Conversa puxa conversa, o rapaz acabou por nos mostrar algumas atividades que podíamos fazer durante a nossa estadia. Nada de novo: esta é a típica abordagem que já vai acontecendo em muitos destinos turísticos, que nós já conhecíamos e já estávamos preparados para ela (por exemplo, no México, Republica Dominicana, Cuba , etc). Sabendo disto, tínhamos decidido que algumas das atividades em Zanzibar seriam organizadas desta maneira e consoante o que nos apetecesse fazer no momento. Naquela manhã e depois de colocarmos todas as nossas questões, acabámos por decidir que na manhã seguinte iriamos nadar com golfinhos e fazer snorkeling. O pagamento teve que ser realizado naquele momento.

Num instante, tomamos o pequeno almoço, que se impunha leve, e iniciámos a caminhada que teria que ser curta mas intensa. À hora marcada estávamos na praia em frente ao nosso hotel, a aguardar que nos fossem buscar e, muito pouco tempo depois, um pequeno barco parou quase junto de nós. Vinham 2 homens que nos perguntaram os nossos nomes. Éramos os primeiros a embarcar. Ainda fomos buscar outras pessoas a outros hotéis e, por fim, foi-nos entregue o equipamento de mergulho. Pouco depois, lá seguimos para alto mar.

Contornámos a costa norte, em direção à costa este da ilha. Cerca de 10 minutos depois de terem embarcado as últimas pessoas, começámos a verificar que a afluência de embarcações era cada vez maior. Haviam pessoas na água e outras a mergulharem. Haviam sempre 2 homens dentro de cada embarcação para além dos turistas, que gesticulavam uns com os outros em língua massai e que depois, em inglês, davam instruções aos turistas que estavam dentro dos barcos. As pessoas assentiam e faziam o que lhes indicavam. No meio daquela confusão, começámos a perceber que eram golfinhos que andavam por ali e pouco depois estávamos nós a receber instruções para nos lançarmos ao mar para os podermos ver.

Não sei precisar mas era claramente uma família de 10 a 15 golfinhos que andavam por ali. Adultos e bebés, vinham à superfície e voltavam a mergulhar. A profundidade não era muito grande, porque ainda com alguma turbulência da água, podíamos ver o fundo.

Num instante, embalámos naquela perseguição de podermos ver estes tão simpáticos animais no seu habitat natural. Mergulhávamos, voltávamos a subir à embarcação, o barco seguia uma perseguição desenfreada aos golfinhos, de repente voltava a parar e nós voltávamos a mergulhar. A confusão era enorme e não sei precisar quantos ciclos fizemos. Mas confesso que pouco tempo depois começava a pensar na provável agonia que os pequenos animais estariam a sentir por estarem a ser perseguidos. Tanto eu como o Magno começámos a parar, a querer ficar nos barco. Primeiro porque começámos a ficar cansados e depois porque começámos a pensar nos animais. Não era a primeira vez que nadávamos com golfinhos nem que iriamos fazer snorkeling, mas não daquela maneira. Confesso que foi das vezes que menos gostei de fazer, pelo motivos que apresentei acima.

Pouco depois um dos dois homens questionaram-nos se queríamos continuar ou se preferíamos seguir para Mnemba Island. Todos concordaram que podíamos seguir. Ainda bem!

Sem darmos conta, já tínhamos contornado a costa norte e já nos encontrávamos na encosta do topo este da ilha. Sentimos o barco a acelerar e começámos a ver a tonalidade da água a mudar. No horizonte, começámos a ver um azul turquesa que acompanhava a costa e que se perdia de vista. A paisagem era surreal e tão maravilhosa, que nos fez lembrar as Maldivas.

Andámos uns 20 minutos até que o barco começou a abrandar a velocidade. Ao longe conseguíamos avistar uma ilha que seria a ilha de Mnemba. Mnemba é uma pequena ilha privada que não é possível visitar por esse mesmo motivo: ser privada. No entanto, nada nos impedia de mergulhar naquele incrível mar. E assim foi.

Um dos homens parou o barco e desligou o motor. Já lá estavam outros barcos igualmente com os motores desligados. Vimos algumas pessoas na água, com as cabeças voltadas para o fundo do mar. Equipámo-nos e fizemo-nos à água também. Não era muito profundo (menos que 1,5 metros de altura), mas percebemos que a maré estava a subir e pouco tempo depois iriamos provavelmente ficar sem pé.

Assim que mergulhámos começámos a ver pequenos peixinhos que não andavam muito longe de nós. Não é uma zona de coral, onde a probabilidade de vermos mais peixes é maior, mas o facto da água ser tão translucida, não inibia que os pudéssemos contemplar.

Andámos ali até as mãos começarem a ficar enrugadas. Eu fui a primeira a subir para o barco e assim que entro avisto uma mesa improvisada com um prato de fruta em cima. Para quem (como eu) adora fruta, era a “visão dos Deuses”! Até aquele momento não tinha sentido fome, mas assim que as vi, foi só o tempo de pousar o equipamento de snorkeling. Agarrei-me de imediato à fruta: melancia, banana, abacaxi e coco.

Regressámos ao final da amanhã, completamente exaustos! E, depois de almoço, decidimos ficar esticados nas espreguiçadeiras da praia o resto da tarde.

12ºdia (10.08.2022) – Zanzibar (último dia)

O corpo mandava mais do que o relógio: voltámos a acordar cedo. Ainda não tínhamos saído da cama e logo percebemos que aquele dia não ia ser como os outros… E logo aquele! Tínhamos reservado aquele que seria o ultimo dia para descansar estendidos numa espreguiçadeira qualquer à beira mar até à hora do transfere nos levar ao aeroporto. Mas, assim que nos chegámos à varanda do quarto e corremos a cortina, estava a chover! Puf, planos todos (ou quase todos) estragados. Ainda voltámos para a cama, mas o sono não vinha.

Decidimos tomar o pequeno almoço, arrumar as bagagens e passear pelo hotel até bem, perto da hora de ter que deixar o quarto. Ao final da manhã o tempo melhorou ligeiramente e decidimos libertar o quarto e arriscar uma ida à praia.

Nota: Normalmente, por cortesia, a maioria dos hotéis disponibilizam aos hospedes uma divisão para poderem tomar banho, assim como o livre acesso a qualquer tipo de refeições.

Ainda fugimos da chuva uma e outra vez, mas o dia foi acabando por se ir aguentando o resto da tarde. Fomos ficando por ali até a penumbra da noite chegar, mesmo com o dia encoberto. Tentámos fazer algumas atividades disponibilizadas pelo hotel mas, por muitas e variadas razões, não foi possível. O tempo foi passando e estávamos quase a meio da tarde. Entretanto, o Magno apercebeu-se de um rapaz que estava ali à beira mar e que lhe pareceu estar a tentar vender algo. Aproximou-se e meteu conversa com o rapaz. Estava a alugar a sua moto de água. E pronto, não resistimos e lá fomos nós dar uma volta na moto de água do rapaz. Não tínhamos muito tempo mas ainda deu para uma hora de brincadeira.

Regressámos e fomos logo para a receção: tínhamos de tomar banho e queríamos ainda tentar jantar antes de nos virem buscar e levar para o aeroporto. E assim foi: conseguimos fazer tudo, ainda que o jantar tivesse sido “engolido”. O senhor que nos levaria ao aeroporto e já nos tinha levado ao “The Rock Restaurant“, não falhou a hora marcada e, às 20 horas e 30 minutos estávamos a sair do hotel.

Nota: O voo estava marcado para as 23 horas e 15 minutos e estava previsto virem buscar-nos às 20 horas. Queríamos tentar jantar antes de sair, mas o restaurante só abria para os jantares às 20 horas. Contactámos o senhor que nos organizou os vários tours em Zanzibar e que era o responsável pelos transferes, perguntando e pedindo se era possível virem buscar-nos às 20 horas e 30 minutos, para podermos jantar, mas sem prejudicarmos a chegada atempada ao aeroporto. Até ao aeroporto precisávamos de uma hora de viagem, sendo que já estaria de noite e teríamos de percorrer estradas sem iluminação. Era um pouco arriscado, mas disse-nos que sim. Ficámos super satisfeitos, primeiro porque poupámos numa refeição e depois porque comemos com mais qualidade.

Chegámos ao aeroporto às 21 horas e 30 minutos, precisamente uma hora depois. Conseguimos despachar as bagagens, passar a segurança, tratar de todas as burocracias e embarcar tranquilamente.

13ºdia (11.08.2022) – Viagem de regresso

Este dia foi essencialmente de viagem de regresso a casa. Saímos do hotel às 20 horas e 30 minutos e chegámos no dia seguinte por volta das 17 horas. Pelo meio fizemos duas escalas em Doha (Qatar) e em Madrid (Espanha).

Nota: Os nossos voos de regresso foram os seguintes: partida às 23 horas e 15 minutos (5 horas e 45 minutos de voo), com chegada a Doha (Qatar) às 5 horas. Depois voltámos a embarcar às 7 horas e 40 minutos (7 horas e 40 minutos de voo), com chegada a Madrid (Espanha) às 14 horas e 20 minutos. Estes dois voos foram realizados pela Qatar Airways. Por fim, embarcámos em Madrid às 15 horas e 40 minutos (1 hora e 15 minutos de voo) com chegada ao Porto (Portugal), às 15 horas e 55 minutos. Este voo foi realizado pela Ibéria Airlines.

Chegámos a casa exaustos e, como costumamos dizer, a precisar de férias das férias, mas com a certeza de que fizemos uma das experiências mais marcantes e mais incríveis das nossas vidas. Foi um conjunto de momentos únicos nas nossas vidas de viajantes, onde a experiência do contacto direto com a vida selvagem no seu estado mais puro foi sem dúvida a alma desta viagem. Acreditamos na vida e na natureza, naquilo que nos dá, quando nos dá e como nos dá. Se não o dá, é porque não tem que ser. E este foi talvez o maior ensinamento que trouxemos para a nossa vida. Sentimo-nos afortunados pela oportunidade de experienciar tudo o que vivemos nestes dias e agradecemos todos os dias, não só esta, mas todas as oportunidades que a vida nos tem dado. Porque este foi mais um sonho tornado realidade.

Partilhamos o vídeo que resume a nossa viagem: Tanzânia 2022

Nota: Conforme prometido, aproveito este último paragrafo para falar sobre as gratificações. O que podemos dizer é que eram efetivamente uma constante em qualquer sítio que fossemos ou em qualquer atividade que fizéssemos. Claro que dávamos se assim o entendêssemos e na quantidade que entendêssemos. No entanto, a dádiva parece cultural e as pessoas ficam a olhar para nós à espera dela. Tal como também já nos tinha acontecido por exemplo no Sri Lanka, bastava o transporte de uma bagagem para ficarem à espera da gorjeta. A gratificação média diária para um guia, é por exemplo o equivalente a 20€. No fim da viagem, fizemos as contas a todas as gorjetas que demos e concluímos que facilmente teríamos feito um belo de um jantar ou teríamos ido fazer uma escapadinha de uma noite a qualquer sítio. É verdade que, à primeira vista, pode chocar. Mas sinceramente acabámos por não pensar muito no assunto, pela realidade a que assistimos e por ter testemunhado a vida tão dura que a maioria daquelas pessoas tem. Viemos serenos com as nossas decisões.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.