Estava escuro, seriam talvez umas dez da noite de uma sexta-feira, em meados de Abril, quando deixámos de percorrer estradas em linha reta para enveredar por estradas ligeiramente mais estreitas e com pequenas curvas que se sucediam ainda que ligeiramente distanciadas. A verdade é que não víamos grande coisa em redor: continuava escuro, estávamos cansados de um dia de trabalho e demasiado concentrados na estrada. Percebemos apenas que começáramos a contornar uma montanha quando, de repente e após mais uma curva, surge um clarão – tínhamos chegado – era a “porta” de entrada para a vila de Monsaraz! A vila estava incrivelmente iluminada! Parámos ali uns segundos simplesmente a observar: eram as paredes das muralhas do castelo que se destacavam com os focos que tinham sido arquitetonicamente colocados no solo. Não havia absolutamente movimento algum e o clima era agradável. Logo demos conta de que começara o nosso fim de semana pela incrível região de Monsaraz e que tínhamos colocado na bagageira do carro duas bicicletas…

No cume de uma pequena montanha Alentejana, localizada na região sul de Portugal, ergue-se, imponente, a pequena vila medieval de Monsaraz, onde o castelo é o seu ex-líbris. O maior lago artificial da Europa, o Alqueva, quase contorna a pequena montanha e compõe este quadro belíssimo. Como se não fosse razão suficiente, a história, o artesanato e também a gastronomia da região contribuíram para que em 2017 Monsaraz vencesse o concurso “7 Maravilhas de Portugal” na categoria “Aldeias Monumento“. Estava então aí o mote para a nossa visita!


Na sexta feira, já depois de sermos muitíssimo bem recebidos no alojamento local Charme de Monsaraz, onde ficámos instalados, jantámos e acabámos por ir descansar. Tencionávamos acordar cedinho para poder usufruir o mais possível da nossa curta estadia. E assim foi, no sábado tomámos o pequeno almoço por volta das sete horas e trinta minutos e saímos montados nas nossas bicicletas que decidíramos levar.
Descemos até a aldeia de Telheiro, sempre a contornar a pequena montanha de Monsaraz! Sim, DESCEMOS, estrada bem “inclinadinha”… ora se descemos também teríamos que subir (“bonito serviço”). Sem saber exatamente quantos quilómetros iríamos fazer, de imediato raciocinámos que no regresso seríamos “cilindrados por aquela subida”. OK, sem stress, com calma e perseverança tudo se faz! E assim foi.


Depois de passarmos a pacata aldeia de Telheiro, seguimos em direção a São Pedro do Corval, estrada esta já plana e quase sempre em linha reta. Pouco mais de dez quilómetros que quase nem demos por eles. Parámos para um café na esplanada do “Café Dias” e por ali “metemos conversa” com o senhor que nos atendeu. Questionámos o que podíamos ver por ali e, de imediato, nos falou da olaria e que tínhamos ali mesmo ao lado o Centro Interpretativo da Olaria que nos podia explicar tudo. Ora nem mais: fomos então à “Casa do Barro“, conforme nos indicara. Na realidade, já tínhamos lido sobre a importância que esta atividade tem na região e o facto de São Pedro do Corval ser o maior centro oleiro de Portugal. Mas na “Casa do Barro” ficámos a saber mais:
É uma tradição que remonta aos tempos pré-históricos, uma vez que a região de Reguengos de Monsaraz é rica em depósitos de argilas com características específicas. Por entre peças únicas, rodas de oleiros e fornos, descobrimos histórias também elas únicas que nos transportaram para aquela vida simples, humilde mas ao mesmo tempo intensa do interior Alentejano. Não falo apenas no barro mas também na decoração (a pintura cerâmica) da mão que agarra o pincel firmemente para a execução audaz de um saber ancestral, que iríamos ter a honra de poder testemunhar dali a uns minutos, mesmo ainda sem o sabermos. A crise pandémica infelizmente levou ao fecho de muitas olarias e atualmente, de mais de duas dezenas, existem agora talvez pouco mais de uma dúzia em constante funcionamento. Apesar disso, continua a ser por excelência o maior centro oleiro do país e um dos maiores da Península Ibérica.

Sem muita crença, por ser um sábado de manhã e por pensarmos que eventualmente estaria tudo fechado, questionámos na “Casa do Barro” se era possível visitar e se alguma olaria estaria aberta. Ao qual surpreendentemente nos responderam que possivelmente a “Olaria Patalim” estaria aberta. “Hummm, acho que passámos por lá quando vínhamos nesta direção. Era aquela casa que tinha uns jarrões enormes ao portão”. Pegámos nas bicicletas e andámos um pouco para trás e… Nem mais, era mesmo ali e estavam a trabalhar: Que maravilha!

Encontrámos o Rui Patalim, um dos sócios da “Olaria Patalim“, que amavelmente nos foi explicando, claro está de forma muito resumida, como tudo aquilo funcionava. Ficámos impressionados: pudemos conhecer a história daquela olaria que já vai a caminho da nona geração e ver o trabalho incrível que é feito ali, desde a importância da qualidade do barro para a sua manipulação e durabilidade, processos de cozedura e a pintura cerâmica. Ficámos ali talvez uma ou duas horas (nem sei precisar) a observar os dedos do Rui, enquanto manipulava o barro, parecendo que 360º depois (uma volta da roda do oleiro) tínhamos uma peça incrivelmente bem executada sem necessidade de qualquer retrabalho. E depois a decoração, a pintura cerâmica, que estava a ser executada pelas mãos de três simpáticas senhoras que trabalhavam ali mesmo ao lado, no meio de um arco-íris de cores, e que agarravam o pincel com uma mão visivelmente experiente e audaz. Dali saem todos os dias peças únicas, artesanato puro, nenhuma peça é igual à outra. Muito gratos ficámos pela forma carinhosa com que nos receberam na “Olaria Patalim” e pela experiência que nos proporcionaram. Admito: foi difícil sair dali!





A muito custo seguimos viagem nas nossas bicicletas em direção a Santo António do Baldio, onde debaixo de um chaparrozito, desfrutámos do nosso almoço volante que tínhamos preparado nessa mesma manhã. Pelo caminho, ainda tivemos o privilégio de ir absorvendo a pacatez que se vive nesta região, cruzando herdades que se perdem da vista.




Passámos pelas aldeias de Motrinos, Barrada e Outeiro e, já quase a chegar a Monsaraz novamente, mais concretamente nas proximidades do lugar de Ferragudo, chegámos ao majestoso Convento da Orada, que acopla a Igreja da Nossa Senhora da Orada. Este convento está implantado em plena planície e, por isso, destaca-se pela sua cor e dimensão numa zona escassamente arborizada. O seu nome está ligado à “especial devoção de D. Nuno Álvares Pereira, quando ali rezou entre algumas das refregas com os Castelhanos” e a sua origem remonta a 1670. Atualmente, está sob alçada da “Fundação Convento da Orada” mas nitidamente ao abandono.
Bem perto do convento encontrámos também o Cromeleque do Xerez. Durante todo o percurso passámos por vários menires e cromeleques, que são monumentos megalíticos que constam de uma pedra isolada fixada verticalmente no solo (no caso do menir) ou um conjunto de blocos graníticos normalmente posicionados em círculo ou quadrado com um menir de quatro ou cinco metros no centro (no caso dos cromeleques). Consta-se que a sua utilização original está ligada à prática do culto à fertilidade e ao desconhecido, que se traduzia nos fenómenos atmosféricos. No caso concreto do Cromeleque do Xerez, este foi removido da sua localização original em consequência do enchimento da Albufeira do Alqueva.


Dali avançámos para a derradeira e previsivelmente extenuante subida até Monsaraz. Em resumo: um percurso circular, fizemos cerca de trinta quilómetros em cerca de cincos horas (com as ditas paragens). Foi cansativo, mas valeu cada pedalada, não só pelo exercício mas pela própria experiência de quem adora um bom passeio de bicicleta.
Chegámos de novo ao alojamento, fizemos um lanchinho rápido e… arrancámos de carro até Mourão! Estávamos a meio da tarde e não queríamos desperdiçar tempo algum. Passeámos pelo centro da vila e decidimos visitar o castelo. Outra paisagem formidável que pudemos contemplar do topo das muralhas. Contornámo-las e decidimos visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias (ou da Purificação), um belíssimo edifício do Séc. XVII.



Sem mais demora, decidimos visitar a aldeia da Luz, a carismática aldeia que, por via do enchimento da Albufeira do Alqueva, teve que ser deslocada da sua localização original e que hoje está totalmente submersa. Bem perto da aldeia descobrimos um passadiço lindíssimo que contorna e transpõe uma pequena parte da Albufeira. Passeámos por ali um bom bocado enquanto desfrutávamos de um clima formidável!



O final do dia aproximava-se e achámos que não podíamos terminar sem visitar a extraordinária Praia Fluvial de Monsaraz. Localizada a cerca de cinco quilómetros e pouco mais de cinco minutos de carro de Monsaraz, encontrámos esta espetacular praia fluvial, incrivelmente localizada numa pequenina península. A praia, além da fabulosa areia branca, possui jardins incríveis não só para apanhar sol, como também de um belo parque de merendas. Por aqui encontrámos também um bar/restaurante de apoio, WCs, um pequeno ancoradouro, entre outros serviços como aluguer de embarcações ou atividades náuticas. É um espaço fabuloso para desfrutar em família e não falta o que fazer! Nós, decidimos levar uma reserva alentejana, especialmente selecionada pelo Magno, e uns aperitivos para aproveitar aquele final de tarde primaveril bem solarengo.




E eis que, num ápice, chegámos ao final do dia! Vimos o sol pôr-se lá longe, no horizonte da planície alentejana e num dos pontos mais altos de Monsaraz. Que bonito que é…


Depois de jantar, avançámos pelas ruas de Monsaraz. Ainda não tínhamos deambulado pelo interior da vila e, à medida que avançávamos, a curiosidade aumentava a cada esquina contornada. As ruas estavam desertas e incrivelmente silenciosas. Que tranquilidade, que serenidade… É verdade que não demorámos muito a dar a volta, mas a vontade de ficar, parar, sentar num degrau de uma casa ou no beiral da muralha cresce à medida que percorremos as ruas de Monsaraz. Voltámos à porta de entrada que nos tinha recebido na noite anterior e de novo contemplámos a brutalidade da paisagem: Monsaraz continuava arrebatadoramente iluminada.



Na manhã seguinte, descobrimos uma vila completamente diferente daquela que nessa noite encontrámos. Rapidamente saltámos para o exterior e deparámo-nos com um sol incrível, que iluminava qualquer recanto, e o palrar dos inúmeros turistas, que já se fazia ouvir em cada esquina. Entrámos triunfantemente pela Porta da Vila, uma das quatro portas existentes (Porta d’Évora, Porta d’Alcoba e a Porta do Buraco são as outras três). Ali está o umbral ladeado pelas imponentes torres circulares, que acoplam a Torre do Relógio, que ainda guarda um sino de 1692.


A Rua de Santiago estende-se à nossa frente e dá-nos as “boas vindas”. De imediato começamos a ser seduzidos pelas apaixonantes lojas de artesanato regional. No entanto, é na Rua Direita que vislumbramos a maioria dos restaurantes e alojamentos locais. Sem muito demora, chegamos ao Largo Dom Nuno Álvares Pereira, onde estão localizadas alguns pontos de interesse da vila como a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Lagoa, a Igreja da Misericórdia e o Pelourinho de Monsaraz.


Mas o mais emblemático é sem dúvida o Castelo! É fácil ficar rendido a tamanha beleza quer da arquitetura quer da paisagem envolvente.


Estar em Monsaraz é quase como tocar o céu. Localizada no alto de uma pequena montanha, Monsaraz domina a planície envolvente e garante a todos quantos a visitam as melhores paisagens sob o Lago do Alqueva. Local privilegiado de amplas paisagens, esta povoação foi escolhida, ao longo dos tempos, por diferentes povos como local de habitação e defesa, dando origem a um belo castelo e às muralhas, que marcam o horizonte e definem a história da região.


Visitar Monsaraz é viajar no tempo e é fácil vaguear pela sua história medieval, fortificada por romanos, visigodos e árabes. As inclinadas ladeiras foram construídas pedra a pedra, garantindo um excelente piso que mantem hoje o testemunho de muitas subidas e descidas, de um rigoroso controlo da chegada de forasteiros e mercadorias. Hoje continuam a ser os acessos privilegiados para todos aqueles que gostam de ter a visão das melhores paisagens circundantes.


As pequenas casas brancas, com os beirais das portas e janelas em xisto, muitas delas adornadas com plantas de muitas cores, dão vontade de ultrapassar e espreitar o que vai para lá daquela portada. A arquitetura dos edifícios em geral, tão própria, tão característica, remete às raízes muçulmanas e são capazes de nos transpor à história de Monsaraz e o que por lá se terá passado há uns bons séculos.


Para visitar Monsaraz não precisamos de carro. Fora das muralhas não faltam parques de estacionamento e acredite: esta é a melhor forma de desfrutar desta pequena vila. Vá, deixe-se apaixonar e que os sonhos dominem a imaginação. Boas viagens!